Por Leonardo Alves
Cientista Social e Membro do Centro de Referência em Direitos Humanos.
Quem nunca escutou essa frase comumente dita em programas sensacionalistas na Televisão, ou em rodas de conversa onde impera o senso comum orientado pelos mesmos? Os direitos humanos estão presentes em cada um de nós. Todo cidadão tem direitos, entretanto boa parte da mídia nos faz acreditar que não.
É necessário entender que vivemos em um país que adota o capitalismo neoliberal estadunidense como modelo econômico e político. Isso tem grande influência na mídia e no sistema de penalidade existente no Brasil. Fato é que a mídia sensacionalista propaga uma reprodução da política do medo dos E.U.A, assentada na ideia de que tudo está ficando sempre mais violento, mais perigoso e sempre haverá algo novo a temer. Assim, a população se torna mais assustada e passa a investir cada vez mais no mercado da segurança privada (esse que é alimentado pela violência reproduzida diariamente nos programas de TV) enriquecendo os empresários que atuam no ramo. No outro lado, se encontra um estado que, devido ao crescente clamor da população por segurança, investe mais no poder coercitivo, ou seja, na polícia.
Com mais polícia, temos mais e mais prisões, por imitar o modelo neoliberal de penalidade onde impera a tolerância zero. O Brasil passa a punir seus cidadãos por motivos banais, seja do roubo de um shampoo ao uso da maconha. Com isso, os processos vão se acumulando em inúmeras pilhas, o que aumenta ainda mais a lentidão do nosso judiciário. Boa parte das pessoas indiciadas não terá uma defesa qualificada, através da defensoria pública, e, muitas vezes, só verão seus advogados no dia da audiência. Apesar disso tudo, o judiciário continua a condenar e sentenciar esses cidadãos, passando longe do princípio da insignificância. Tal conduta superlota os nossos presídios e inviabiliza o tratamento adequado da pena de prisão.
Apesar disso tudo, continuamos ligando nossos aparelhos de Televisão no horário do almoço para vermos o banho de sangue dos noticiários, onde o apresentador, orgulhoso ao mostrar algum corpo de um suposto criminoso abatido, fala regozijado: “Parabéns a Polícia Militar! Vocês estão fazendo um ótimo trabalho! É pra mostrar pra bandidagem como é que se faz!”. O que não vemos de imediato em programas assim são dois pontos muito importantes: o primeiro, a naturalização da violência internalizada subjetivamente por todos nós ao assistirmos quase que diariamente cenas tão cruéis; o segundo, o estímulo à violência policial. A violência policial em questão nasceu nos porões da ditadura nos anos de 1960, entretanto, assim como a própria PM, perdura até os dias de hoje. A tortura, os maus tratos, a discriminação, não se enganem, elas não chegaram nem perto de cessar com o fim da ditadura; acontecem cotidianamente em frente aos nossos olhos, ou melhor, longe deles, atrás dos muros onde estão os indivíduos indesejados do nosso convívio.
Como foi dito antes, os direitos humanos são direitos inalienáveis a qualquer indivíduo no planeta. No Brasil, apesar de serem garantidos pela nossa constituição, esses direitos ainda são incrivelmente violados. Os direitos humanos têm como um de seus principais objetivos, assegurar que os cidadãos não sofram com o abuso de poder do Estado. Os policiais estão implicados diretamente nisso, pois, como agentes do Estado, devem assegurar a ordem social e preservar os direitos dos cidadãos, entretanto, na contra mão, eles também constituem a maior força de violação desse Estado. Cabe então às entidades defensoras dos direitos humanos, acompanharem de perto a agência desses atores sociais.
Os direitos humanos perpassam todas as classes e esferas da sociedade, do empresário multimilionário ao estuprador na prisão, porque, acima de tudo, ambos são humanos, e como tais, têm direitos. Infelizmente nos esquecemos disso boa parte do tempo, devido a proliferação de uma visão demonizada do criminoso que, antes de tudo, deve ser julgado e provado ter cometido o crime, para que assim seja aplicada a lei e a pena que a justiça lhe confere. Mas para a mídia ainda impera a antiga lei do código de Hamurabi, onde o que importa é o “olho por olho e dente por dente”, o que estimula no senso comum um sentimento de vingança pelo crime praticado, entretanto, nunca se observa que a vingança se constituiu como retribuição de um crime com outro crime e, partindo desse princípio, haveria uma multiplicação tanto de vítima como de algoz.
“Direitos humanos para bandidos?” Outra frase muito proferida, mas que cabe a nós leitores, interpretar de acordo com o que já vem sendo discutido em nosso texto e percebermos que os direitos humanos são para todos, então os “bandidos” também tem esses direitos. Devido ao sentimento de vingança instaurado no imaginário coletivo, junto a demonização do criminoso, mais o nosso histórico de tortura da época da ditadura, construímos e operamos presídios que, diferente dos que enxergam como “hotéis”, se configuram como verdadeiros pedaços do inferno, onde parte significativa dos direitos humanos são violados diariamente. Basta entrarmos uma vez em um pavilhão lotado para termos total consciência de que não aguentaríamos um dia lá dentro, quiçá anos. Mesmo assim, boa parte da sociedade insiste em dizer “Direitos humanos para bandidos!”. E validam a tortura desenfreada de seres humanos dentro dessas instituições, onde humanos como nós são tratados pior do que animais em um abatedouro. Ao validar essa conduta de punição e castigo, ainda se valida também a agência arbitrária de agentes da força do Estado como boa parte dos PM’s e agentes penitenciários que se sentem no direito, no divino dever, de punir os demônios da sociedade, de expurgar e castigar aqueles que “proliferaram o mal no mundo”.
Sendo assim, enquanto boa parte da sociedade acreditar nesse estigma imposto sobre a ação dos direitos humanos e desclassificar os criminosos como seres humanos, os Direitos Humanos sempre serão vistos como “coisa de bandido”.