A Festa da Morte na Boate Kiss
Por Ivenio Hermes
O Motivo da Comemoração
Santa Maria é uma cidade do Rio Grande do Sul que reúne universitários de diversas localidades. Numa localidade assim, reuniões de jovens são comuns e festas de confraternização é motivo mais do que suficiente para lotar casas de promoções de eventos desse tipo. A Boate Kiss era um exemplo desse tipo de ambiente.
Com a atração extra da banda Gurizada Fandangueira, jovens universitários de quatro cursos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Agronomia, Medicina Veterinária, Pedagogia e Tecnologia de Alimentos, além de outros frequentadores habituais e convidados, se reuniram para o que seria apenas mais uma noite de alegria.
Estar entre amigos confraternizando-se pelas vitórias alcançadas ou simplesmente se divertir assistindo a um show ao vivo de uma banda conhecida e dentro de um local seguro, era motivo de sobra para aquela festa.
A segurança que os jovens depositaram no local, entretanto, fora a principal causadora de uma tragédia moderna, um incêndio de proporções assustadoras na boate Kiss, que deixou pela contagem atual, pelo menos 233 jovens mortos e deixou feridos outros 48. Trata-se do segundo incêndio mais mortal da história do Brasil, perdendo apenas para o ocorrido no Gran Circo Americano, em 17 de dezembro de 1961, que deixou 503 mortos em Niterói (RJ).
A Irresponsabilidade Vence a Segurança
O Incêndio se deu por volta das 2 horas da manhã, ocasião em que a segunda banda atração da noite se apresentava. A maior parte dos jovens ali concentrados eram estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), já que se tratava de uma festa universitária, e foram eles as vítimas da irresponsabilidade que provocou a tragédia na Boate Kiss.
No caso do incêndio do Gran Circo Americano em Niterói, a tragédia se originou pela atitude inconsequente de uma trapezista que disparou chamas contra a lona do circo, cujo fogo alastrou-se rapidamente e provocou inúmeras vítimas, na maioria crianças, que morreram pisoteadas ou sufocadas pela inalação de fumaça tóxica.
Na Boate Kiss a semelhança foi bizarra.
Segundo informações iniciais obtidas junto às equipes do Corpo de Bombeiros, foi confirmado que o fogo começou durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, a segunda atração da noite, por volta das 2h da madrugada e que utilizou fogos de artifício em seu show, numa atitude completamente irresponsável, pois se encontravam dentro de um ambiente fechado e com isolamento acústico composto em parte por uma espuma altamente inflamável.
O resultado foi um incêndio imediato que não fora logo percebido dada à iluminação do local, a fumaça artificial, e o ruído característico. Entretanto, assim que se deram conta do perigo, muitas pessoas ainda foram feridas pelo fogo, mas o principal causador das mortes foi a asfixia, a intoxicação causada pela inalação da fumaça tóxica e pelo pisotear das pessoas em pânico tentando escapar do perigo.
A Cegueira do Lucro
Com o pânico instalado, guardas de segurança mal treinados e descomprometidos com a vida, agiram de forma estúpida visando apenas o lucro que seus empregadores não poderiam deixar de obter.
Jovens que estavam no interior da Boate Kiss e que conseguiram escapar foram testemunhas de os seguranças da casa de show fecharam a porta principal, numa tentativa ridícula de impedir que as pessoas que lutavam pelas suas vidas, saíssem sem pagar.
Guido Pedroso, comandante do Corpo de Bombeiros, confirmou que a porta principal fora trancada e que após aberta, havia uma grande aglomeração de corpos perto dela. “Os seguranças trancaram as portas para evitar as fugas, causando pânico e tumulto”, afirmou o comandante.
A cegueira desmedida em garantir um lucro foi maior do que a valorização da vida, e as pessoas encontradas mortas próximo à saída somente conseguiram escapar da morte pelas chamas para encontrar seu destino trágico na fumaça tóxica que saiu do isolamento acústico feito de espuma e que foram obrigadas a inalar pela impossibilidade da fuga causada pelo bloqueio da saída.
A delegada titular de Restinga Seca, Elizabete Shimomura, responsável pelo atendimento da ocorrência por volta das 3 horas da manhã, recebeu o dono da Boate Kiss que se apresentou voluntariamente para prestar declarações. Ela confirmou também que o trabalho de retirada de corpos do local do incêndio havia sido encerrado e que o Instituto Geral de Perícias estava procedendo com o recolhimento de material genético para identificação dos corpos em pior estado.
Confirmando a hipótese da impossibilidade das vítimas de saírem do local, a delegada declarou que: “A grande maioria dos corpos vai ser facilmente identificada pelas famílias, já que estão intactos. Provavelmente, boa parte das pessoas morreu por asfixia, poucos estão queimados”.
Cogitações Ulteriores
A Boate Kiss e seus proprietários não estão isentas de culpa. Uma série de irregularidades pode ser detectada para um local cuja finalidade era a reunião de pessoas:
- Não havia saídas de emergência suficientes para a quantidade de pessoas que superlotavam o local e o descontrole na admissão ou venda de ingressos pode ter gerado um público além da capacidade do ambiente;
- O revestimento do isolamento acústico inflamável não estava bem conservado ou não havia uma equipe de segurança que evitasse a utilização de materiais pirotécnicos inadequados para o local;
- Os guardas de segurança não possuíam treinamento para lidar com situações de perigo e pânico, propícias de ocorrerem em ambientes onde há consumo de bebidas alcóolicas, aglomeração e possibilidades de tumulto;
- A falta de ventilação artificial de escoamento de gases e dutos de ventilação artificial são fatores que exageram as proporções da tragédia ocorrida numa noite onde os jovens somente procuravam se divertir.
Assim como na Boate Kiss, milhares de outros estabelecimentos existem no Brasil, com seus alvarás de funcionamento vencidos e sob a vista grossa das autoridades incompetentes, inclusive oórgãos públicos como o ITEP no Rio Grande do Norte, outros sobrevivem de burlar a legislação através de medidas enganadoras que subvertem o olhar da autoridade pública.
Sobre a tragédia de Santa Maria/RS. Mais uma vez o descaso com a segurança faz vítimas fatais, cujas famílias jamais encontrarão a justiça necessária para aplacar a dor de suas perdas.
É preciso investir numa fiscalização preventiva e cujos laudos tenham real poder de embargo para evitar tragédias assim.
Agora, veremos se a polícia judiciária chegará a um verdadeiro culpado ou se será mais um crime sem a solução adequada.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL (Brasil Rs Santa Maria). Polícia começou a ouvir testemunhas do incêndio em Santa Maria (RS). Em.com.br. Disponível em: < http://db.tt/V6YfF2hl >. Publicado em: 27 jan. 2012.
CAMPOS, Emerson. UFSM divulga nota lamentando morte de jovens em festa universitária: Pelo menos 245 pessoas morreram em tragédia na Boate Kiss. Em.com.br. Disponível em: < http://db.tt/llvjB8R5 >. Publicado em: 27 jan. 2012.
CAMPOS, Emerson; CASTANHEIRA, Felipe; ALVARENGA, Tomaz de. Incêndio em boate durante festa universitária mata 232 no Rio Grande do Sul: Tragédia é a maior da história do estado; fogo teria começado em sinalizador. Em.com.br. Disponível em: < http://db.tt/M3tvc0pT >. Publicado em: 27 jan. 2012.
CASTANHEIRA, Felipe. Testemunhas contam que seguranças trancaram as portas da boate para impedir fuga. Em.com.br. Disponível em: < http://db.tt/T1qkMNnZ >. Publicado em: 27 jan. 2012.
CHARLES, Samuel. Tragédia em Santa Maria (RS) é 2º incêndio mais mortal e 5ª maior tragédia da história do Brasil: O número de vítimas até o momento já é maior que o incêndio no edifício Joelma. Surgiu.com.br. Disponível em: < http://db.tt/oOnNqQZq >. Publicado em: 27 jan. 2012.
DIÁRIO DE SANTA MARIA (Brasil Rs Santa Maria). Incêndio em boate em Santa Maria é a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul: Fogo começou por volta das 2h deste domingo na boate Kiss, no centro da cidade. Disponível em: < http://db.tt/nJ5fqtfb >. Publicado em: 27 jan. 2012.