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O Desempregado na Central do Cidadão

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Via Direta Central do Cidadao (9)A Peregrinação da Incerteza, da insegurança e da necessidade.

 

Por Ivenio Hermes

 

Bem aventurados os que esperam

“O pátio empresta o colo para ela e ele eles elas somos todos outros.” Nando Reis e Marcelo Fromer – A Fila.

O ano de 2013 começa cheio de esperanças. Os fogos que anunciam nova esperança e novas perspectivas iluminam os céus da cidade, queimados pelo povo através do gasto do dinheiro público ou queimados também pelo povo em iniciativas individuais de festejo.

Apesar da festa, dos votos de feliz ano novo (que antes de março já será velho), muitas pessoas encaram o desemprego e a busca árdua pelos seus direitos.

Dentre os novos membros da estatística dos desempregados, alguns têm a chance de receber o seguro desemprego que varia entre 3 e 5 parcelas mensais de acordo com o que cada um recebia. Contudo, para quem está desempregado e necessitando de dinheiro para sobreviver até conseguir novo trabalho, receber essas parcelas não é tão fácil quanto parece.

Em algumas cidades, como Natal, existe um serviço facilitador desse e de quase todos os serviços públicos, a Central do Cidadão, entretanto, mesmo essa facilitação não é tranquila, as pessoas que o demandam, precisam chegar de madrugada, muitas vezes as 4h00 da manhã, nos locais para ter uma chance de atendimento, expondo-se aos perigos da falta de segurança, aguardando por cinco horas, até as 9h00 da manhã, quando começa a distribuição das poucas senhas que garantem seu direito.

Dentro desse tipo de serviço, um pequeno planejamento estratégico resolveria, enquanto isso não ocorre, não são bem aventurados os que esperam.

 

Bem aventurados os que sofrem

A Central do Cidadão usada na pesquisa foi a do Shopping Via Direta, que é um ponto médio entre diversos municípios que integram a Grande Natal. Além disso, ele é preferido de muita gente porque oferece mais condições de suportabilidade do grande tempo de espera.

Isso se explica porque o processo de conseguir o seguro desemprego funciona, na prática, assim:

1. Para garantir a chance de pegar uma senha de atendimento, o ideal é chegar às 4 horas da manhã e ficar do lado de fora da área cercada do estacionamento, ou seja, na calçada da marginal da rodovia federal BR101. Em outros lugares essa situação é pior;

2. De terça a sexta são distribuídas 30 senhas e nos sábados e segundas-feiras, apenas 15, devido ao expediente reduzido. Para não pagar horas extras, o Estado divide os funcionários em duas partes que se revezam, semana sim, semana não, para trabalharem nos fins de semana. Com isso, geralmente antes de abrir o portão do estacionamento, já se forma uma fila e quem não conseguiu chegar a tempo de pegar uma das senhas, já decide se vai embora ou se fica e arrisca que alguém desista;

3. Quando o portão é liberado, aqueles que já formaram a fila, e trocam conhecimento sobre suas experiências naquela situação, se deslocam para o interior do Shopping e mantém a mesma fila em frente ao guichê de liberação de senhas. Às duas horas e meia de espera compensam, pois amparados pela proteção fornecida pela vigilância do Shopping, as pessoas aproveitam para descansar e até dormir um pouco, sentadas ou deitadas no chão aparentemente limpo ou numa das cadeiras da praça de alimentação;

4. Às 8 horas uma das servidoras públicas chega e começa a organizar o serviço do dia. Nessa hora, o corredor em frente à Central já está lotado e nem a ansiedade e nem as conversas deixa mais ninguém dormir. Entretanto, somente às 9 horas começa a distribuição das senhas;

5. A mesma servidora, a “moça da senha”, começa a imprimir as senhas num guichê sem ventilação (existe o duto, mas não funciona) e com uma máquina que leva 17 segundos para imprimir cada senha e algumas pessoas também irão para outros serviços, portanto, precisam de duas ou três senhas. Envolvida com isso, ela não pode controlar os eventuais “furões” de fila que se aproveitam da euforia que se forma e roubam a vaga daqueles que se sacrificaram ao chegarem cedo, e sonolentos e confusos, não percebem os mal-intencionados;

6. Com um pouco de atraso (lembrem-se da impressora lenta), começa o atendimento. Enquanto isso, a “moça da senha” sofre juntamente com outra, a “calmante de ânimos” – que passa nas outras filas que se formaram e explica porque as pessoas não serão atendidas – com a indignação dos revoltados com o não atendimento;

7. Finalmente, dentro do pequeno salão destinado a vários serviços, as duas únicas servidoras responsáveis por esse serviço começam a atender. Elas levam uma média de meia hora para cada atendimento porque antes de começarem, uma delas explica quais e como os documentos devem ser apresentados… Mas isso se o sistema operacional que elas utilizam estiver online.

Para aqueles que sofreram com o funcionamento desse processo e não conseguiram resolver seu problema, o termo “bem aventurados os que sofrem”, não se aplica tão celeremente.

 

Bem aventurados os injustiçados

A plataforma do sistema operacional é antiquada e não permite a alimentação de dados off-line para evitar erros. Contudo, sem uma plataforma executável que mantivesse os dados em segurança, como o usado nas urnas eletrônicas, se o sistema ficar off, acaba ou atrasa o atendimento. Se o Brasil já possui essa tecnologia de segurança de dados, porque não expandir para todos os serviços?

No sábado anterior ao dia em que visitamos a Central do Cidadão do Shopping Via Direta, o sistema ficou fora do ar e todos perderam sua chance de atendimento. No dia anterior à nossa visita, das quinze senhas distribuídas, a falibilidade do serviço ocasionou o não atendimento de 07 pessoas, que deveriam voltar no dia seguinte com as chances garantidas de atendimento, mas isso somente ocorre se depender do esforço e boa vontade das servidoras públicas, que precisam trabalhar mais rápido e ficar sem nenhum momento de descanso.

Não há, contudo, um cadastro daqueles que padeceram na fila e não foram atendidos, por isso, a fragilidade da prestação do serviço é uma injustiça contra o desempregado.

Não há recompensa pelo esforço e, portanto, não são bem aventurados os injustiçados.

 

A Falta de Planejamento Estratégico

Quem pensou na Central do Cidadão fez um trabalho muito bom, entretanto, nas gestões subsequentes não houve aprimoramento da ideia comprometendo a qualidade do serviço prestado.

São longas filas, muita espera e desgaste para a população e para os servidores públicos, que poderiam se resolver com investimento adequado e planejamento estratégico.

1. Investimento numa plataforma de capitação de dados off-line com segurança, evitando perdas de tempo, e até agilizando o atendimento, reduzindo o tempo gasto com cada pessoa;

2. Cadastro de atendimento levando em consideração aqueles que já enfrentaram o rigor do processo para conquistar seu lugar e precisaram voltar outro dia;

3. Integração do banco de dados do FGTS para observar quem já está apto para ser atendido e proporcionando um pouco mais de descanso para os servidores e menos desgaste que os leva ao estresse natural na prestação desses serviços;

4. Cartazes e banners com as informações e estabelecimento de regras claras para quem precisa do Estado nesse momento da angústia do desemprego.

Destacando a ação dos servidores públicos, mostrando que o bom funcionário ainda existe, além da “moça da senha” e da “calmante de ânimos”, Nádia, para quem não criei um codinome, foi exemplar. Antes do atendimento ela dá as orientações iniciais necessárias para celeridade no atendimento e ainda presta seu serviço com cortesia, procurando da melhor forma possível, executar o principio administrativo da eficiência.

As sugestões e o relato ficam aqui registrados não como crítica aos criadores do serviço Central do Cidadão, mas como uma contribuição para que haja mais valorização daquele que pagou seus impostos e agora precisa de mais respeito do Estado, não um respeito impossível de dar, algo simples e viável dentro da visão do planejamento estratégico para o serviço público, que pode diminuir essa peregrinação da incerteza e da insegurança para aqueles que têm necessidade.

 

IMAGENS:

HERMES, Ivenio. A Central do Cidadão. Os rigores de uma espera. Ensaio Fotográfico. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes e Carta Potiguar. Disponível em: < http://migre.me/cIY8j >. Publicado em: 08 jan. 2013.