Título original: The Hobbit: An Unexpected Journey
Direção: Peter Jackson
Ano: 2012
País: EUA e Nova Zelândia
Uma jornada muito esperada
Houve uma enorme expectativa, com uma pitada de receio, pois o filme prometia muito e, se não fosse bom, seria altamente decepcionante. Mas não foi.
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012), nova incursão cinematográfica do diretor Peter Jackson no mundo imaginado por J. R. R. Tolkien, trouxe à vida a primeira terça parte de O Hobbit, a grande aventura de Bilbo Bolseiro para o Leste, ajudando os anões a reaver seu antigo lar. (Leia o artigo O Hobbit para saber mais sobre o livro.)
O filme começa a partir de onde se inicia a narrativa do primeiro filme da trilogia O Senhor dos Anéis, do mesmo Peter Jackson, ou seja, com Bilbo se preparando para seu onzentésimo primeiro aniversário e sua fuga do Condado. É então que ele decide escrever sua história, dando início ao que seria depois chamado O Livro Vermelho, que contém os relatos de sua aventura e da missão de seu sobrinho Frodo (ou seja, todo o texto de O Hobbit e de O Senhor dos Anéis).
Ele conta a Frodo os antecedentes da histótia do anão Thorin Escudo de Carvalho, de como seu avô foi destronado pelo dragão Smaug, que tomou a Montanha Solitária dos anões, e de como estes ficaram desamparados, sem poder contar com os humanos expropriados pelo mesmo monstro e sem receber auxílio dos elfos, que se recusaram a ajudar.
“Numa toca no chão vivia um hobbit”, começa Bilbo (ecoando a frase que apareceu na cabeça de Tolkien e que lhe rendeu uma das mais interessantes aventuras de fantasia do século XX), e conta como o mago Gandalf apareceu numa certa manhã, convidando-o para uma aventura, e a chegada dos 13 anões não convidados a sua casa, vindos para jantar, discutir planos e contratar um ladrão, ou seja, o próprio relutante Bilbo, cuja participação na missão viria a ser muito mais interessante e significativa do que todos (exceto Gandalf) imaginaram desde o início.
Uma análise do filme através dos personagens
Bilbo, o hobbit
Eu havia dito em minha resenha do livro que provavelmente Bilbo, o hobbit do título da obra, ficaria meio apagado no meio de 13 anões. Mas isso felizmente não aconteceu. Assim como no livro, o protagonista do filme está no centro de tudo e a trama gira em torno de seu desenvolvimento. Um pacato e típico hobbit, Bilbo chega a desmaiar ao saber dos possíveis perigos que enfrentaria em sua jornada. Mas algo dentro dele ansiava por uma aventura, e caberia somente a ele a decisão de seguir os anões.
Neste sentido, há uma diferença significativa em relação ao romance, no qual Bilbo só segue os anões ao ser pressionado por Gandalf. No livro, ficam bem claros os motivos profundos para o hobbit realmente querer viajar, conhecer outras raças e lugares, mas isso não fica tão claro no filme, e seu “salto de fé” para a aventura pareceu um tanto inverossímil. Porém, a cena em que ele enrola os trolls para ganhar tempo (no livro é Gandalf quem engana os monstros) foi importante para mostrar que, desde o início, Bilbo tinha habilidades importantes para o sucesso da missão.
E seu papel se mostra crucial no decorrer dos eventos, ao demonstrar coragem (ajudando Thorin a lutar contra os orcs), compaixão (ao poupar a vida de Gollum, colocando em prática uma importante lição ensinada por Gandalf) e empatia (ao se comprometer a ajudar os anões a retomar aquilo que Bilbo mais preza: o lar). Ele se destaca como o pequeno indivíduo dotado de um grande espírito, em conformidade com a proposta original de Tolkien. Por isso tudo o considero muito mais marcante do que Frodo, pois este, especialmente nos filmes, se mostra muito melancólico, fraco e resignado, sendo um protagonista bem menos interessante do que Bilbo, este sim o hobbit.
Gandalf
O mago errante continua o mesmo de sempre, e sua imagem é agora mais do que nunca associada com o grande ator Ian McKellen. Sábio, bem-humorado, pontual, assertivo e prevenido, ele funciona na história como articulador dos eventos e intermediador dos conflitos que podem atrapalhar a execução da missão. Gandalf é a perfeita figura do guia, orientador e mestre, ajudando os indivíduos a encontrar seu rumo e seu lugar no mundo.
Está sempre um passo à frente e sempre está no lugar certo na hora certa. Não dá para imaginar a história sem ele, e seriam plenamente dispensáveis as aparições de Galadriel e Saruman, nas deliberações sobre o futuro da Terra-Média, embora tenham sido bem mais pertinentes do que Radagast.
Thorin
Thorin Escudo de Carvalho é um grande herói entre os anões. Ele é neto de Thrór, o Rei sob a Montanha destronado por Smaug. Tendo morrido seu avô e seu pai Thráin, Thorin é o herdeiro do trono de Erebor, a Montanha Solitária. Ele busca retomar o antigo lar dos anões e o grande tesouro guardado pelo dragão. Principal representante de todos os anões do filme, ele praticamente ofusca sua comitiva de 12 companheiros, que estão ali como coadjuvantes (excetuando-se Balin, que é o mais importante da comitiva depois de Thorin e serve como mediador em alguns momentos).
Depois de ser exilado de Erebor como todos os anões que lá habitavam, o nobre príncipe Thorin teve que se sujeitar a diversos trabalhos braçais até conseguir recursos suficientes para reunir um grupo com a coragem de tentar retomar a Montanha. Nesse ínterim, também esteve envolvido numa sangrenta batalha contra orcs, cujo líder, Azog, se tornou seu arqui-inimigo.
Thorin é um personagem que ecoa o mesmo papel de Aragorn em O Senhor dos Anéis, ou seja, é o legítimo herdeiro de uma linhagem de nobres governantes, buscando retomar seu lugar de direito. Tanto sua herança quanto seus feitos inspiram seus companheiros e são admirados por Bilbo. No entanto, sua arrogância provoca algum conflito com o hobbit e com Elrond, o elfo sem cuja ajuda ele jamais conseguiria executar sua missão.
Radagast
O mago Radagast, o Castanho, merece apenas uma breve consideração. A presença dele no filme só se justifica pela relação com O Senhor dos Anéis, servindo de ponte para explicar o surgimento do vilão daquela trilogia. O ponto positivo dessa presença foi mostrar as diferenças entre os magos (ao lado de Gandalf e Saruman), bem como trazer à tona o fato de que na Terra-Média os animais costumavam se comunicar com as raças humanoides.
Nesse sentido, sua presença foi importante para evidenciar o caráter mágico desse mundo fantástico, que às vezes fica esquecido. Mas suas cenas são meio enfadonhas e fogem demais do ritmo e clima da trama principal, e ele poderia ter sido dispensado. Considero o personagem até interessante, mas pelo menos poderiam ter deixado para lá aquele trenó de coelhos, que ressoa uma fantasia muito à Disney, bem diferente do estilo de Tolkien.
Gollum
Talvez o personagem mais esperado pelos fãs de Tolkien e da trilogia anterior, Gollum fez uma ótima aparição, extremamente real na renovada tecnologia de captação de movimento e ainda mais carismático do que antes. Mais uma vez Andy Serkis faz um excelente trabalho incorporando um personagem virtual, mas muito crível em suas expressões, suas flutuações esquizofrênicas e especialmente no semblante de desamparo e desespero que provocam a compaixão de Bilbo e freiam a espada deste (numa perfeita cena sem palavras).
Mas achei seu capítulo um tanto curto, o engajamento e a resolução meio bruscas. Porém, mesmo assim todo o essencial estava ali, revelando apenas o necessário, sem se estender desnecessariamente em seu passado e sua história (que já está toda contada em O Senhor dos Anéis).
Considerações finais
Durante a divulgação do filme e enquanto o assistia, encontrei uma forma interessante de relacionar os livros ao filmes (de ambas as trilogias). Nos filmes, as adaptações, ou seja, as supressões e/ou os acréscimos, podem ser entendidas como disparidades de versões. Os filmes seriam uma suposta aproximação maior do que realmente aconteceu, enquanto os livros apresentam os mesmos eventos recontados pelos seus protagonistas (Bilbo, Frodo e Sam), ou seja, com um olhar enviesado, recriando episódios, retirando eventos considerados não muito importantes e enfeitando outros para parecerem mais coloridos do que realmente foram. Por isso, e tendo em vista as observações acima, penso que, para se apreciar esse universo fantástico ao máximo, vale muito a pena conhecer a literatura tolkieniana.
Pensando bem sobre todas as cenas do filme, não me recordo de ter havido supressões significativas em relação ao livro. É como se tudo o que acontece nos seis primeiros capítulos do livro estivesse ali na tela, e ainda com a inclusão de vários outros elementos que enriquecem (ou, em alguns raros casos, só tomam tempo desnecessário) a trama, dando um significado mais profundo à trajetória de Bilbo, de Thorin e de Gandalf. A inclusão, por exemplo, de um arqui-inimigo de Thorin, o orc Azog, torna as ameaças da viagem mais verossímeis e significativas.
Comparando a extensão deste filme (e consequentemente dos dois próximos filmes) com a da outra trilogia, percebo um aproveitamento maior da história de O Hobbit na tela, tendo em vista que há muito mais supressões na versão cinematográfica de O Senhor dos Anéis, devido à longa extensão do livro. A aventura de Bilbo tem um terço do tamanho da de Frodo e bastaria um filme para apresentá-lo da forma como o foi a outra trilogia. Dessa forma, para os fãs, a escolha pelo formato de uma trilogia mantém quase intacta a riqueza da obra literária original.
Algumas pequenas mudanças e acréscimos em cenas-chave também não foram despropositadas. Um ótimo exemplo é o encontro de Bilbo com Gollum, contado de modo diferente. No filme, ao invés de encontrar o anel antes de Gollum, este aparece primeiro, para mostrar quem ele é, seus hábitos alimentares e o que costuma fazer com orcs fracos que encontra. Logo em seguida, quando Gollum mata o orc, a espada de Bilbo, que sempre se acende à proximidade dessas criaturas, se apaga, indicando que Gollum não é um orc, embora de longe se pareça com um.
Alguns criticaram os elementos cômicos do filme, vendo-os como pontos negativos. Porém, penso que esses elementos fizeram jus a um dos aspectos mais marcantes de O Hobbit, o humor que permeia toda a narrativa. Considere-se também o fato de o livro ter sido destinado originalmente a um público infantil. Jackson conseguiu dosar um caráter mais sério com boas pitadas de comicidade, que no geral não me pareceram exageradas. Vibrei especialmente com a cena dos pratos e a canção debochada dos anões ao arrumar a louça de Bilbo. Afinal, a música e a poesia fazem parte das histórias na Terra-Média, inclusive com peças mais sombrias, como a famigerada “canção do exílio” dos anões, cena que foi divulgada na internet antes da estreia do filme e representou um bom presságio para aqueles que aguardavam essa jornada tão esperada.