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Por que ser a favor do Governo do Estado custear a queima de fogos de “ano novo” em Natal

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Em conversa com dois pedreiros, num campinho de futebol perto de casa em que costumo bater uma “pelada” no fim da tarde, vi o quanto a minha opinião sobre a queima de fogos de “ano novo” em Natal era racista.

O racismo que me refiro não é o de cor, mas o de classe. Sim, ele existe. É que a gente naturaliza os nossos hábitos, que são produto de um modo de ser e de fazer, e não percebe que há (outras) vidas lá fora. Em Natal, há muitas expressões racistas, nesse sentido – “aqui tá muito misturado”, “farofeiro”, “assalariado”, etc, são bons exemplos de como a classe média tradicional da cidade se recusa a aceitar o convívio com os “humildes”, outra palavra também empregada de modo racista para enquadrar os pobres.

Para mim, o emprego de dinheiro público na compra de fogos de artifício era uma bobagem. Com as contas do município em fragalhos, nada mais justo não arcar com algo que queima, se esfarela rapidamente no ar. Alias, foi a decisão tomada pelo prefeito… quem comanda a prefeitura agora?

E é aí que entra o racismo. Ora, a festa pública não se constitui como opção para mim. Não me faço presente porque vou para outros lugares, janto em casa, me reúno com amigos, vou para praias mais afastadas da cidade. O fato é que tenho como produzir um momento de fruição sem depender, diretamente, da ação estatal. Para outras pessoas, porém, a iniciativa do poder público se apresenta como única possibilidade.

A queima de fogos de fim de ano faz a alegria de muita gente.

Em “Lazer e Prazer”, o autor – Gutierrez – mostra como, geralmente, a classe média, já portadora de meios para efetivar o seu lazer, condena de modo etnocêntrico os gastos estatais nessa seara. A visão (naturalizada) cultivada pela classe média é a de que ela deve cuidar da alma. O pobre, “sofrido”, que se restrinja ao cuidado do corpo.

Não raro, esse modo de enxergar as coisas aparece nas “boas intenções” dos membros do Ministério Público. Em Parnamirim, por exemplo, tentaram acabar com as festas de são joão promovidas pelas comunidades, com míseros patrocínios da prefeitura (em torno de 1 mil reais), sob a alegação de que os postos de saúde estavam prestando atendimento inadequado. Não preciso descrever a revolta que a ação causou e que o MP teve de recuar em sua “recomendação”.

Recorro novamente ao Gutierrez – o lazer não pode ser considerado algo menor. É preciso negar o olhar etapista, geralmente dirigido contra os “desafortunados” (uso a palavra para demonstrar a carga de preconceito que ela carrega), não contra a classe média, que enfatiza a saúde como mais importante do que a interação fruitiva. A festa, o descanso ativo, a queima de fogos permitem a promoção de novas sociabilidades, conferem saúde social aos envolvidos. São anteparos para os sofrimentos da vida.

Ser contra a promoção da queima de fogos implica em valorizar – ainda que não seja a intenção direta -, apenas, os espaços de convívio privados no momento da virada de ano.

A festa é uma mera convenção, mas nem por isso deixa de se impor como “necessidade” para os cidadãos.

Sem a queima de fogos resta a muita gente, apenas, permanecer em casa, às vezes, na “clausura”. Como me disse o trabalhador da construção civil, “ficar em casa queimando os chifres”, sem saber ainda que o Governo do Estado iria assumir os custos de 300 mil reais e realizar o evento.

O evento nas praias da cidade é aberto e democrático, diferentemente do Carnatal – um negócio privado, em que a pessoa só entra se comprar uma camisa, fere direitos, como todos os anos, alias, e recebe muito mais verba pública por isso.