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A magia do Natal

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O Natal é um período estranho. Não por causa de, oficialmente, comemorarmos um aniversário fictício, mas pelos “milagres” que ele provoca nas pessoas. Existem os que o amam fervorosamente e há aqueles que o odeiam com igual fervor. Para o número de pessoas que se alegram e se excitam com sua proximidade, há também um número semelhante de tantas outras que lhe são hostis e que, além do mais, logo se deprimem ao ver o menor sinal das primeiras luzes, piscas e gorrinhos vermelhos. Esses últimos só voltam ao estado normal de seu humor no Ano Novo.

Apesar de não encher as fileiras nem de um, nem de outro, preferindo adotar uma atitude cética, a meio caminho do pragmatismo e da indiferença, sou levado a reconhecer que o Natal é de fato, como se costuma dizer, um período mágico. Sua magia não repousa na evidência arrebatadora das luzes, nas ondas de néon sobre os plásticos, metais e concreto, que deixa nossas casas e os shopping-centers banhados num colorido enfeitiçador. Mas naquilo que, talvez, só o Natal seja capaz de fazer com as pessoas.

Como não chamar de mágico uma data capaz de fazer com que esqueçamos todas as barbaridades, injustiças e misérias do mundo, da Palestina aos rincões de pobreza do Brasil, passando pelo purgatório de doenças e perseguições étnicas, sexuais e religiosas que grassam ao redor do mundo, e ainda assim encontrar bons motivos para nossa fanfarra anual em celebração ao nascimento de Cristo? Afinal, que importa o fato de, paradoxalmente, ser muito mais cristão atentar-se e fazer algo contra esse estado de coisas deploráveis do que empanturrar-se de comida, brincar de amigo secreto e comprar, comprar e comprar…

A magia do Natal é tão forte que, apesar do exemplo de jejum de 40 dias e 40 noites de Jesus, em meio ao deserto e sob os auspícios do diabo, e de sua simplicidade de coração, aceitamos sem reservas promover um espetáculo de desperdício, excesso e lixo; das iguarias natalinas à redundância de mensagens, cartões, lembranças e todo tipo de quinquilharia e objetos; pirâmides de comida e tralhas a desabar, de carnes, canapés, doces, pinheiros, embrulhos e plástico, boa parte desses destinados, como demonstração de nossa caridade e generosidade cristã, aos ratos, cachorros e gatos da rua. O espírito natalino é a nossa dádiva ao lixo.

Costuma-se celebrar o Natal como um período para realizar boas ações, fazer coisas boas, dar presentes e reunir-se com as pessoas de que se gosta. Bem, não vejo nada tão especial e único neste dia mágico que não se possa fazer o mesmo em outros dias do ano.

O que dizer ainda da magia da tolerância, abdicação e convívio pacífico – digno de ser invejado pela diplomacia dos mais civilizados e liberais Estados – responsável por reunir ao redor da mesma mesa, de por frente-a-frente, pessoas que passam o restante dos dias de costas umas para as outras? O Natal revive por alguns dias o mito ambíguo da “comunidade humana”, da “Grande Família dos homens”, que, com sinceridade, assim crêem os entusiastas e ingênuos, reúne os homens apesar das diferenças, rancores, das pequenas mágoas, dos incidentes e feridas do passado.

O verdadeiro milagre do Natal é a sua capacidade de gerar nas pessoas suficiente hipocrisia e falsa tolerância, de transformar uma boa fatia delas em blasés e frívolos, ainda que por algumas horas, penosas horas, verdade. O Natal é o álibi que atribui a nossa hipocrisia um estatuto miraculoso e mágico. Em nenhum outro período do ano, encontramos melhor álibi e momento para celebrá-la sem que isso incomode nossas boas e tranquilas consciências.