O carnatal é aquele tipo de ação que desrespeita direitos no atacado.
A festa em si é legítima. Qualquer um pode e deve ter o direito de produzir o evento que bem entender. E quem achar interessante de comprar a entrada.
Não compartilho das opiniões de que quem vai para o carnatal tem merda na cabeça, ou que contribui para o caos da cidade. Ora, assim como vejo como absurda a correlação entre comprar maconha enquanto usuário e contribuir para a violência, como o discurso policial deixa erradamente entrever (o raciocínio peca por ser desprovido de base científica), também não endosso a “tese” da pessoa que adquire um abadá estar ajudando a gerar o caos na cidade.
Não gosto de enveredar por explicações etnocêntricas, racista dos costumes.
Também não vou apelar para silogismos retóricos. Enquanto festa, o carnatal não tem a menor obrigação de deixar um “legado”. Alias, como a maioria dos eventos de Natal não estabelece nenhuma “contrapartida”, inclusive, os chamados acontecimentos alternativos e/ou de esquerda.
Porém, sou totalmente contra o modo como o evento se desenrola. Se é uma festa privada, que funcione num espaço privado, ou mesmo num local público, mas sem ferir a cidadania de terceiros.
Da maneira como ocorre, o carnatal socializa prejuízos (sujeira, canteiros quebrados, etc), fere direitos (de ir e vir, som alto na madruga, uso publicitário do espaço público, etc.) e privatiza ganhos. E não é irrelevante lembrar que a festança é regada com muita verba pública, do Governo do Estado e do Município.
Carnatal não é Natal, como enfatiza de maneira nada modesta a sua publicidade. Carnatal é um negócio.
O caldo engrossa ainda mais quando se percebe o jeito como as ditas autoridades locais se relacionam com o evento e com outras manifestações, que ocupam o espaço público, mas com uma função completamente diversa, com outros objetivos, com diferente razão de ser.
A atuação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, nesse quesito, é emblemática.
O TJ-RN, que permitiu a realização do carnatal, mesmo com pedidos do Ministério Público em contrário, por motivos óbvios – eu apresentei alguns no início do texto -, impediu a concretização da Parada Gay.
A Parada Gay vem de um movimento social constituído. Luta por algo, que dado o nosso desenvolvimento civilizacional, deveria ser considerado banal. O direito de tocar a vida, se relacionar com quem quiser e não ser incomodado por isso. Em resumo, busca a igualdade em sua plenitude, que continua a ser afrontada por uma sociedade homofóbica e que, inclusive, mata por conta disso – os dados mais modestos falam em 300 assassinatos, ou números mais significativos afirmam acontecer 3000 crimes de morte em decorrência da escolha sexual da vítima no Brasil.
Em que pese todo o cenário apresentado, o Tribunal de Justiça negou a liminar impetrada pelos organizadores da Parada Gay, o que impediu a saída dos trios do ponto de partida (Av Engenheiro Roberto Freire). A festa reivindicatória, que estava marcada para o último domingo, perdeu um pouco do seu brilho.
A versão dos organizadores do evento para o ocorrido é gravíssima. Eles defendem que os trios apresentavam 4,7 metros e não 6, como enfatizou o corpo de bombeiros do RN (a norma técnica permite que o trio tenha, no máximo, 5 metros).
Ainda conforme a comissão organizadora, o oficial de justiça verificou o dado correto – 4,7 metros -, quando a celeuma se desenrolou, sem, no entanto, reverter a opinião do TJ-RN.
O movimento promete entrar com uma representação na secretaria de direitos humanos da presidência da república contra o Governo do Estado.
Repito, a acusação é gravíssima, pois o Governo do RN pode ter implementado o primeiro caso de Estado abertamente Homofóbico do Brasil.
Mas uma coisa é certa. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte analisa com muito mais, digamos, “carinho” a realização de uma festa privada que fere direitos, do que a ação de um movimento que luta por direitos.
A venda da deusa grega da balança pode estar com um olho de fora no RN.