Por Ivenio Hermes
Um ato de resgate
13 de dezembro de 2012. Um dia especial para redescobrir e recontar a história dos potiguares que sofreram as mais cruéis torturas na vigência da ditadura militar.
A OAB – Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte, através do Ciclo Verdade e Memória – I Ato, realizou um importante evento cujo objetivo maior foi coletar informações através de depoimentos de sobreviventes do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que deu poderes ilimitados ao governo militar do presidente Artur da Costa e Silva, levando-o a cometer as piores barbáries contra a liberdade de opinião, integridade física e psicológica de milhares de brasileiros e suas famílias.
O ato de resgate da memória foi um verdadeiro ato público, 44 anos de AI-5 com o objetivo de mostrar as bandeiras, lutas e circunstâncias pelas quais muitos foram presos, torturados, banidos e assassinados pelo regime militar.
Como convidado do próprio presidente da Comissão Verdade e Memória da Seccional Potiguar, Djamiro Acipreste, fui apresentado a todos e fiquei surpreso de saber que alguns deles sabiam do meu trabalho como escritor. Djamiro, numa referência que considero elogiosa, disse que se voltássemos a esse tempo, eu seria um dos prováveis presos por causa de meus escritos.
Entretanto, importante mesmo foram os relatos dos anistiados.
Dois depoentes foram convidados para expor seus relatos de tortura: Mery Medeiros e Paulo Francinete. Cada um, exteriorizando suas impressões internas de quem viveu momentos de horror numa época que não pode ser esquecida pela memória brasileira.
O primeiro relator, Mery Medeiros, foi preso político durante a ditadura militar na década de 1960. Ponderado em suas falas, Mery falou da importância de recontar a história sem nenhum revanchismo, entretanto com firmeza para que toda verdade possa vir à tona e os jovens ou aqueles que têm ideias equivocadas desse período obscuro, possam ter a real noção de tudo que aconteceu.
Uma de suas contribuições anteriores foi a criação da Associação Norte-rio-grandense de Anistiados, que juntou vários antigos companheiros de buscas por mudanças sociais em reuniões mensais.
Mery sofreu duramente, mas sempre busca apontar a luta de outras vítimas, como Maurício Anísio de Araújo, que fez greve de fome na tentativa de garantir seus direitos.
Ele atualmente vive tranquilo e escrevendo seu terceiro livro, os outros dois já há muito tempo esgotados, podem ser encontrados com dificuldade nos acervos de algumas bibliotecas.
Ele sabe que as prisões de familiares, as sequelas físicas e psicológicas afetam a todos que viveram aqueles dias como vítimas diretas ou indiretas e por isso dedicou seu relato a esclarecer ao máximo a história de pessoas que perderam sua identidade e sua vontade de viver, ou seu encanto pela vida.
Antes de seu relato, conversamos bastante, e Paulo Francinete parecia nervoso com a aproximação do momento de subir na tribuna, entretanto, vocacionado para o discurso desde sua época de movimento estudantil, o homem subiu altivo e conversou com tranquilidade sobre os tempos vividos sob a ameaça da tortura.
Ele disse que na época da ditadura militar foi um dos cinco diretores da União Nacional dos Estudantes – UNE que foram presos, embora três deles sendo exilados.
No dia em que a polícia fora buscá-lo em sua casa, sua mãe, como é natural, ficou muito preocupada. Para tranquiliza-la ele disse que seria coisa rápida e logo voltaria para casa, algo que foi de pronto confirmado pelo chefe da guarnição. Entretanto, ao perceber que fora precipitado em sua afirmação, corrigiu: “por via das dúvidas leve uma escova de dente.” E a escova seria realmente necessária, pois foram 3 meses e 15 dias preso no 16 RI de Natal.
O relato de Paulo foi crescendo emocionalmente. A cada pergunta que os membros e convidados presentes, a realidade cruel voltava à mente do torturado pela ditadura militar. Mas o momento crucial de seu depoimento foi quando ele relembrou um episódio envolvendo seu filho que na época contava com a idade de 1 ano e 8 meses.
Paulo Francinete, que subira na tribuna andando, sob os efeitos de recordar a situação com seu filho, o debilitou de tal forma que ele precisou sair carregado e nem terminou de participar do restante do evento.
São efeitos assim que muitos desconhecem de que alguém que possa ter passado por momentos de profundo trauma pode passar. O conhecido e moderno termo médico TEPT – Transtorno de Estresse Pós Traumático – pode acompanhar um homem pelo resto de sua vida.
Francinete, antes professo materialista, hoje busca refúgio no espiritualismo para amenizar suas angústias e procurar respostas para todo sofrimento pelo qual injustamente passou.
Paulo não foi torturado, a não ser de forma psicológica pelos prazos exíguos que ele possuía para preencher petições e formulários em máquina de escrever e papel carbono na tentativa de resguardar os direitos dos presos políticos que ele se dispunha a defender a partir de 1964, período da ditadura militar, quando advogou para mais de cem presos políticos de seu Estado.
O advogado nascido em 2 de junho de 1933 em Natal (RN) ingressou na Faculdade de Direito de Alagoas em 1951 e logo estava na OAB. Formou-se no ano de 1955 e em 1960 exerceu o cargo de procurador fiscal do Rio Grande do Norte.
Vocacionado para defender aqueles que precisavam de seus serviços, embora tendo sido aprovado em primeiro lugar no concurso para juiz de Direito e tendo sido nomeado para a Comarca de Umarizal, em 1961, ele não tomou posse optando pela advocacia.
Roberto Furtado fundou o MDB no Estado em 1965, elegeu-se deputado estadual em 1966, 1974 e 1978 (quando o partido já mudara para a legenda PMDB).
Eleito presidente da Seccional da OAB potiguar em 1980, exerceu posteriormente o cargo de conselheiro federal da entidade. O advogado potiguar criou na OAB-RN a Comissão de Direitos Humanos e presidiu, ainda, o Comitê de Anistia e o Comitê Pró Constituinte no Rio Grande do Norte.
Por esses tantos e outros motivos Paulo Brandão Furtado foi homenageado nesse I Ato do Ciclo Verdade e Memória.
Manter as torturas e histórias do período da ditadura militar é o mesmo que aviltar a memória das famílias dos que perderam suas vidas naquela época e de todo povo brasileiro que precisa entender tudo que se passou. Mery Medeiros afirmou que não é uma tentativa de vingança, é simplesmente uma reconstrução sem revanchismo da história do Brasil.
Paulo Francinete, disse que sofreu, mas que se o tempo voltasse, faria tudo novamente. Paulo Roberto não se arrepende dos caminhos que seguiu em sua vida de defensor de presos políticos.
Djamiro Acipreste, presidente da Comissão da Verdade não poupa esforços e levar a cabo essa missão que lidera. A próxima ação da Comissão da Verdade deverá acontecer na OAB de Mossoró, objetivando instalar uma subcomissão e ouvir os relatos de quem sofreu com a ditadura naquela região.
Djamiro finaliza brilhantemente o evento com a coragem de um militante da verdade, ele disse: “Vamos produzir relatório e encaminhar para Comissão Nacional da Verdade e Memória. Queremos a verdadeira história do nosso país nesta época”.
REFERÊNCIAS
HERMES, Ivenio. Em memória dos Heróis Potiguares! Conversa com Djamiro Acipreste. Blog do Ivenio Hermes e Carta Potiguar. Disponível respectivamente em < http://migre.me/bzSZe > e < http://bitly.com/Vrs1zX >. Publicado em 04 nov. 2012.
HERMES, Ivenio. Álbum: Comissão da Verdade | Ciclo Verdade e Memória – I Ato. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes e da Carta Potiguar. Disponível em: < http://migre.me/cscqI >. Publicado em: 14 dez. 2012.