Não consegui encontrar em qual reportagem li um trecho interessante do parecer do Procurador Regional Eleitoral, Paulo Sérgio Duarte, no caso dos vereadores Raniere Barbosa e George Câmara. O Procurador, pelo que lembro, afirmava que há diversas barreiras legais e jurisprudenciais à cassação de mandatos em virtude de atos de corrupção eleitoral. Se é tão difícil cassar o mandato de uma pessoa que cometeu atos ilícitos, como punir com tanta facilidade pessoas que foram na verdade vítimas de meros erros técnicos?
Segundo o Procurador, essa situação violaria o princípio da soberania popular.
De fato.
Tanto a legislação quanto a jurisprudência colocam vários percalços no caminho de quem busca punir o candidato beneficiado por atos de abuso de poder ou corrupção eleitoral.
Basta citar uma curiosa construção da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: a Corte Superior entende que só é possível a aplicação de punição por captação ilícita de sufrágio (compra de voto, cá entre nós) caso haja “prova robusta”. Mas o grande problema é: o que é “prova robusta”?
A jurisprudência criou, então, esse curioso requisito como um conceito indeterminado. A cabeça de cada juiz irá dizer qual prova é ou não robusta.
E o pior a se questionar: em caso de outros ilícitos a prova não precisa ser robusta? Pode ser uma “prova magra”?
Me parece que a discussão jurídica nas eleições acaba muitas vezes descambando para a restrição à propaganda eleitoral e esquecendo outros assuntos de maior importância. A legislação, com certeza, se preocupa muito mais em regular a propaganda na internet, em outdoor ou sei lá onde do que fornecer ao Ministério Público e ao Poder Judiciário meios eficientes de controlar atos ilícitos vinculados ao abuso de poder.
Aí, acabam chovendo sobre a Justiça Eleitoral demandas fundadas na desobediência a regras de propaganda. A legislação coloca no colo do juiz o serviço de fiscal da Secretaria Municipal de Urbanismo. Nobre e importante serviço, com certeza, mas não me parece que a estatura constitucional do cargo de juiz sirva unicamente para isso.
A tão falada reforma política, por outro lado, acaba discutindo apenas tecnicalidades: voto distrital, unificação de mandatos, etc. O que se chama de reforma política se tornou uma reforma meramente eleitoral. Não toca nos vícios das relações de poder que na verdade maculam a política nacional. Do financiamento das campanhas só se fala para aparentar profundidade na discussão.
E nessa pegada, o status quo mostra como o certo na história era o professor Raymundo Faoro: “O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados do seu Estado-maior.”[1]
[1] FAORO, Raymundo. Os donos do poder – formação do patronato político brasileiro. 3a ed. Rio de Janeiro: Globo, 2001, p. 886.