A esquerda do RN perde a oportunidade de firmar posição quando não afirma suas convicções democráticas e desarticula lutas, que deveriam ser suprapartidárias (diferente de apartidário). A última guerra nos tribunais – e fora dele –, que ainda não terminou, envolvendo a eleição proporcional de 2012 em Natal é um exemplo do que foi dito.
Os mandatos de George Câmara (PcdoB) e Raniere Barbosa (PRB), obtidos legitimamente através do crivo popular, foram ameaçados por manobras perpetradas por aqueles que perderam, mas não se conformaram. Provocado pelos derrotados, o TRE-RN aceitou uma liminar, que retirava todos os 27 mil votos da coligação de partidos que elegeu Raniere e George.
A celeuma relaciona o inexpressivo PtdoB, que se inscreveu em duas coligações. Numa estranha decisão, ao invés de apenas desconsiderar o nanico gerador da confusão e validar os demais, a lógica empregada pelo relator do processo, Verlano Medeiros, foi a de extinguir todo o agrupamento político-eleitoral e cassar o direito político de todos os eleitores que sufragaram sua escolha em algum candidato das demais agremiações coligadas.
O juiz eleitoral e advogado do vereador Edivan Martins – o “Valeu boi”, como é conhecido, não conseguiu se reelegeer, mas ingressaria na Câmara no lugar dos parlamentares municipais do PcdoB e do PRB, juntamente com Cláudio Porpino, caso a coligação de Raniere e George fosse extinta –, Verlano Medeiros, na prática, beneficiaria o seu cliente e amigo. Junte-se a isso, como se diz no eufemismo, a “movimentação de bastidores”, que tornava o caso mais escabroso.
A imprensa, como sempre, alias, não se omitiu. Agiu fortemente para criar um clima de irreversibilidade da liminar, para dar uma, digamos, “mãozinha” para Edivan Martins, que, como presidente da Câmara Municipal do Natal, diz como a verba de publicidade do parlamento deve ser aplicada.
Alguns jornalistas sem o menor escrúpulo fizeram circular, inclusive, entendimento errado sobre análise feita pelo TSE. Para o Tribunal Superior Eleitoral, o PtdoB nunca participou, na prática, da coligação que conseguiu as duas cadeiras de Raniere Barbosa e George Câmara. Em resumo, não havia razão para invalidar a atuação de todos os demais candidatos, partidos e seus eleitores em decorrência de uma única agremiação, que, mais uma vez, na prática, não contribuiu para a vitória dos dois parlamentares. Os missivistas, no entanto, que atuam pautados por interesses inconfessáveis, afirmaram que o TSE dava ganho de causa para Martins e Porpino.
Os ingredientes estavam postos: havia um claro ataque a democracia patrocinado por candidato inconformado com a derrota, por um juiz sem a menor condição de manter uma interação imparcial com o processo (a suspeição do relator foi afirmada depois pelo pleno do TRE) e o PIG (Partido da Imprensa Golpista), termo que eu cultivo uma grande restrição pelo modo fantasioso e conspiratório com que é mencionado, de fato, na presente situação, endossando e dando um verniz de verdade a tudo.
O cenário pedia manifestações de toda a esquerda e de quem não é de esquerda, mas tem apreço pelas regras do jogo – e democracia não se faz sem regras. Quase nada, no entanto, ocorreu. Tivemos um pequeno protesto, com representantes de alguns movimentos sociais e sindicatos, mas algo muito incipiente.
No cenário estabelecido, os dois vereadores marcharam para recuperar seus legítimos mandatos, praticamente, sozinhos. Enquanto isso, foi possível ver algumas falas no twitter e um punhado de blogueiros, tentando mostrar o “outro lado”.
Faltou visão de conjunto para a esquerda. Faltou perceber que estávamos diante de algo maior do que um simples apoio a um ou outro vereador. A miopia em relação ao caso desconsiderou e secundariza o caráter estratégico de empunhar a bandeira da democracia.
Os dois vereadores reverteram o cenário adverso, mas a atitude golpista continua pairando no ar, não para o bem da esquerda, é certo.