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O velho comunista

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Olavo é uma grande figura.

A reportagem abaixo relata um pouco da sua história de vida.

 Cursamos a graduação de Ciências Sociais na mesma turma.

Vale a pena conferir.

 

Do Jornal de Hoje

 

A professora de Moral e Cívica já não aguentava as opiniões do garoto que insistia em defender Karl Marx e provar a inexistência de Deus. Corria o ano de 1972, oitava temporada dos militares no comando do país. Certo dia, durante uma aula em que debatiam os erros do pensador alemão, ela, antecipando possíveis problemas com o jovem rebelde, sentenciou: “Respondam como está no livro, não como Olavo botou na cabeça de vocês”. O futuro sociólogo e ativista pró-Cuba era um menino curioso e inquieto.

Ainda adolescente, leu “O Capital”, a Bíblia Sagrada e toda a obra de Júlio Verne. Formava assim um cabedal de conhecimentos que o transformaria em um comunista inveterado (assim como seu pai) e partícipe de movimentos estudantis. O paulistano Olavo Pereira de Queiroz, 55 anos, é, hoje, um corretor de imóveis, que mora em Natal desde 1998, e mantém vivo o sonho de outrora.

Embates ideológicos como aquele com a docente serviram de ensaio para o viria no decorrer da década. Aluno da USP, primeiro de engenharia, depois, de física, ele participou do reavivamento da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1977, quando a organização começou a sair da clandestinidade, após a promulgação da Lei n° 4.464, de 9 de novembro de 1964, conhecida como Lei Suplicy de Lacerda, que colocou as entidades estudantis na ilegalidade. Tempos sombrios que culminaram na invasão da PUC pela Polícia Militar – e mil e quinhentos estudantes presos.

Olavo estava no meio daquele pandemônio, mas evitou a prisão ao pular um muro que separava a rua do cenário de guerra.  Jovem de classe média, morador da Vila Mariana e desportista amador, ele acompanhou de perto o processo de anistia dos opositores do regime (ou agitadores de esquerda, como queiram), em 1979, até ir de encontro a uma namorada suíça, em uma viagem que começou na terra dos relógios, chocolates e polpudas contas bancárias e terminou na então Tchecoslováquia.

A Cortina de Ferro ainda se estendia rio Danúbio abaixo – foi barrado na fronteira da Áustria com a Hungria (o destino pretendido). Ele ganhava a vida dando aulas em cursinhos pré-vestibulares, sem maiores perspectivas. E seguia a efervescência política nacional, cada vez mais na iminência de sofrer grandes mudanças. Vieram as eleições para governador, em 1982, e um quarteto de anos em que Olavo virou pai e fez sua primeira viagem à Cuba, a mítica ilha caribenha que empolgou meio mundo nos 60s com sua revolução socialista.

O Brasil não mantinha relações diplomáticas com Havana (restabelecidas em junho de 1986, quatro meses depois do desembarque de Olavo no Aeroporto José Martí), o que forçava uma passagem pelo México para conseguir o visto de entrada. Ao chegar, ficou surpreso em ver uma sociedade comunista tropical em pleno funcionamento. Abastecidos por U$10 bilhões que a União Soviética enviava anualmente, além de material bélico e industrial, os cubanos sugeriam alto padrão de vida. No entanto, o fim da URSS, em 1991, promoveu o apocalipse social no regime dos Irmãos Castro.

Filiado ao PCB desde 1985, mas decepcionado com a postura adotada pelos comunas paulistas nas eleições estaduais do ano seguinte, quando deixaram de apoiar Orestes Quércia e foram pedir votos para o empresário Antonio Hermínio de Moraes, ele esqueceu a política partidária e voltou sua atenção para Cuba. Enquanto isso, um amigo agrônomo intensificava a produção de resina de pinos (o cobiçado pinheiro), no Vale do Ribeira, na divisa entre São Paulo e o Paraná.

O fim do primeiro casamento, que gerou dois filhos, a baixa remuneração com as aulas de física e a paixão pela bebida o desestabilizaram emocionalmente. Foi quando o amigo fez o convite para ele prestar consultorias sobre o promissor negócio das resinas. Olavo abraçou a oportunidade e deu início ao processo de reconstrução pessoal – iniciado em 1992, ao conhecer a paraense Márcia Gorette e largar o álcool. Com o crescimento da empresa, a expansão para outros países virou prioridade para o chefe/amigo. A conhecida exuberância e qualidade da flora da região de Pinar Del Rio (centro da produção de charutos), no oeste de Cuba, caia feito uma luva no projeto.

De 1994 a 1997, Olavo viajava para a ilha a cada dois meses, o que aprofundou suas convicções ideológicas, diante daquele povo que, mesmo enfrentando a maior crise econômica de sua história (chamado de Período Especial; pós-fim da URSS), oscilou entre a perseverança no sistema socialista e um dos maiores êxodos do século 20. A imagem de cubanos em cima de pneus transformados em jangadas, cruzando o perigoso Golfo do México, ganhou o mundo. E uma nova guerra midiática estava armada. “Ninguém imaginava que a União Soviética fosse acabar”.

A entrada dos espanhóis no ramo das resinas em Cuba enfraqueceu a empresa do amigo. Nisso, a química Márcia conseguiu emprego no colégio Marista de Natal (sua família é do interior do Rio Grande do Norte) e o casal arrumou as malas para cruzar o país e vir morar no Nordeste. Marxista convicto, logo ele concluiria o curso de sociologia da UFRN e continuaria a viajar a Cuba pelo menos três vezes por ano, agora como simples turista. “O maior erro foi depender dos soviéticos cegamente”. Sem transferência de tecnologia e conhecimentos, a indústria nacional cubana é quase inexistente.

De tanto contato, surgiu o convite para tocar a Casa de Amizade Brasil-Cuba, instituição que, como o nome sugere, tem por objetivo estimular o intercâmbio e o estreitamento da relação entre as duas nações. O vereador Fernando Lucena (PT) constava como presidente da secção Natal. “Ele nem sabia disso”. Um breve levantamento demonstrou a inexistência de atividades locais. O apoio inicial veio do ex-deputado Leônidas Ferreira (morto em 2009), pai da ex-secretária de planejamento do município, Virgínia Ferreira (uma das cabeças da segunda gestão de Carlos Eduardo Alves, a partir de janeiro próximo).

Mas comunistas antigos, como o ex-reitor da UERN, Antônio Capistrano, o presidente da Associação dos Anistiados do RN, Meri Medeiros e o ex-vereador Juliano Siqueira, de alguma forma, estiveram por perto – Natal é uma cidade irmã de Havana, de acordo com a Lei Ordinária nº 05013/98. Olavo sabe o quanto é custoso remar contra a maré capitalista, mas continua acreditando na necessidade acima da produtividade, em relação a empregos, remuneração e bem-estar social. Para ele, mais que rum e charutos (vício assumido), a experiência cubana fornece subsídios para uma luta inglória, porém inesgotável.

No momento em que países europeus quebram a cada semestre, assustando quem viu o mesmo filme décadas atrás, quando da ascensão do nazismo alemão,do fascismo italiano e do comunismo soviético, governos reveem metas e ações, em certa guinada à esquerda, como gostam de dizer os analistas políticos. Passados vinte e seis anos de sua primeira incursão em solo cubano, Olavo tem como principal bandeira, atualmente, chamar a atenção para os cinco cubanos detidos em meados dos anos 1990, em território norte-americano, sob acusação de espionagem e conspiração. “Perdemos a batalha, mas não a guerra”.