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A garota de Ipanema

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Já imaginou como seria a história da sua música preferida? Como ela ficaria se fosse descrita numa narrativa em prosa? Eu já! E é por isso que tentarei fazer isso com algumas das músicas mais tocadas da MPB, iniciando por uma das mais conhecidas no mundo todo: Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Morais.

A garota de Ipanema

 Antônio era assíduo frequentador das rodas boêmias da Lapa, onde virava noites e noites na companhia de sambistas refinados, cantores eloquentes e garçons pacientes. Quando não estava desfrutando das nababescas noitadas cariocas no velho bairro, Antônio compunha versos e melodias. Um artista de verdade, sim senhor. Suas composições ganhavam vida na boca de intérpretes experimentados na arte de dizer alguma coisa por meio da música.

Porém, naqueles dias do inicio da década de 60, Antônio andava com a inspiração bastante fraca, pouco apurada, que o fez cair numa tristeza comovente. As noites que antes eram animadas e festivas passaram a ser melancólicas no sofá da sua casa. Aos convites para gozar das rodas boêmias da Lapa, dizia:

– Hoje não, companheiros. Minha companhia não será das melhores.

Nem diante da insistência dos amigos de farra Antônio se curvava, mantendo-se firme no propósito de não contagiar com sua tristeza as reuniões sempre alegres das noites da Lapa.

– Aproveitem por mim. – dizia e encerrava o assunto.

Dias e dias passaram e Antônio continuava no mesmo marasmo, na sua crise artística que não o permitia sequer pensar em músicas e composições. Chegou a duvidar até mesmo do seu talento, tão decantado por seus amigos e admiradores, embora ainda fosse um jovem que buscava seu espaço dentre os grandes.

Mas eis que um dia seu grande amigo Vinícius, recém chegado de viagem, soube do estado letárgico que o afundava inerte em cima de um velho sofá. Não teve dúvidas e bateu à sua porta com a firme determinação de arrastá-lo para fora de casa.

– Antônio, meu velho amigo! O que há com você? Saí de viagem e o deixei feliz e produtivo, mas eis que retorno e o encontro aqui soterrado numa tristeza sem fim! Mas que vida! Arriba, homem! Vista uma roupa e vamos sair!

– Não quero, Vinícius. Deixe-me aqui com minha depressão. Quem sabe disso saia alguma coisa.

– Você é um sujeito admirável, Antônio. Mesmo no fundo do poço ainda consegue enxergar o lado bom desta moeda. Já é um começo, mas não o bastante. Venha, chegou o momento de saber se sairá alguma coisa boa disso, como você diz.

– Como?

– Vendo o mundo, Antônio! Se essa é uma depressão criativa como você supõe, vamos testá-la!

Antônio pensou por um instante e encontrou alguma lógica nas palavras do astuto amigo.

– Tudo bem, Vinícius. Dê-me vinte minutos e nós saímos.

Antes de entrar para vestir a roupa, Antônio virou-se para Vinícius que já saboreava um cigarro e perguntou:

– Só por curiosidade, para onde nós vamos mesmo?

– Para Ipanema, Antônio. Ipanema!

Antônio deu as costas e deixou Vinícius com um sorriso triunfante e já se servindo de uma dose de uísque.

Uma hora depois e Antônio e Vinícius já estavam em Ipanema, sentados no conhecido Bar Veloso. Como aquela era uma quarta feira à tarde, o movimento na praia não era dos maiores, o que permitiu que os dois conversassem agradavelmente sobre o estado de Antônio. Dizia ele:

– Sabe Vinícius, a coisa é mais séria do que eu pensava. Nem aqui diante desse mar azul eu consigo deixar de lado essa tristeza. Não sei de onde ela vem e muito menos quando vai, se é que vai.

– Relaxe, amigo. Há de passar. Tudo passa, não é mesmo? Veja, essa dose de uísque aqui no meu copo vai passar. A bebedeira em que ela me deixará, também vai passar, assim como ressaca de amanhã também vai passar. Olha – e apontou para uma mulher magnífica que andava na calçada – que coisa mais linda, mais cheia de graça, aquela menina! Ela vem, mas também passa, balançando o corpo a caminho do mar.

Antônio olhou para a garota e grudou seus olhos nela. Era realmente um monumento de mulher. Animou-se e disse:

– Sim, essa moça é espetacular e revigorante! Seu corpo dourado por este sol de Ipanema é quase que… não me chegam as palavras para descrevê-la… é como que… um poema! Sim, um poema, Vinícius! É a coisa mais linda que já vi passar!

– Está vendo! Nada como admirar as belezas da nossa cidade para tirá-lo dessa tristeza.

Antônio continuava admirando a mulher que passou, e só voltou a atenção para Vinícius quando ela já se perdera na paisagem. De repente, já sem o visual daquela garota, Antônio franziu o cenho, deixando-se dominar por um semblante sombrio.

– O que é que há, Antônio? Há pouco o vi alegre, e agora já estais aí de novo com essa cara de chuchu!

– Ah!, Vinícius… Você me disse que tudo passa e eu aceito isso. Minha tristeza há de passar, deixando só a lembrança enevoada desses dias. Mas também aquela linda mulher passou e me deixou aqui, sozinho como antes. – Antônio baixou a vista, mexeu os cubos de gelo do seu copo com os dedos e continuou – Por que tudo é tão triste, meu velho amigo? Fico eu aqui, enquanto ela, sozinha, desfila sua beleza para todos em Ipanema. Não, Vinícius, aquela beleza não é só minha, e até isso me entristece.

– Ora, Antônio, mas é claro que não. Aliás, seria muito querer tomar só para nós a beleza dessa garota. Ela é da praia, do Rio e, a julgar pela forma como todos os homens a olhavam, do Brasil! Sim, ela é a cara do Brasil! – e deu uma sonora gargalhada.

Antônio riu envergonhado, mas logo voltou para sua tristeza. Vinícius já estava a perder a paciência com Antônio quando viu a garota passando de volta e disse:

– Veja, amigo, ali vem ela novamente!

Antônio virou-se e ficou a observá-la em cada movimento, como que filmando para guardar todos os seus gestos na memória a fim de trazê-los de volta quando sentir-se novamente triste.

– Ah!, Vinícius, se ela soubesse que quando ela passa o mundo inteirinho se enche de graça, e fica mais lindo… – parou de falar e ficou a fitá-la admirado.

Vinícius percebeu o olhar apaixonado de Antônio e continuou a frase interrompida:

– Por causa do amor, Antônio!

– Sim, Vinícius! Por causa do amor!

Antônio corou quando a garota olhou para ele e soltou um belo sorriso. Ele sorriu de volta e acompanhou seu desfile gracioso, fazendo despertar a velha felicidade há dias perdida. Quando ela se foi, Antônio iluminou o semblante e bebeu com satisfação diante de mais um sorriso triunfante de Vinícius.

– Muito bem, Antônio. Vejo que essa garota o trouxe de volta à vida!

– Sim, amigo Vinícius! Essa garota tem poderes mágicos! Sinto-me revigorado e de volta, como você bem disse. Vamos, brindemos!

– Brindemos a quê, Antônio!

– E você ainda tem dúvidas, Vinícius? Brindemos à garota de Ipanema!

Brindaram e passaram o resto do dia juntos com outros amigos que chegavam já na boca da noite para iniciarem os trabalhos da boemia, não mais na velha Lapa, mas ali na beira mar de Ipanema.