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Em questões pessoais não se mexe: Micarla e a proteção da intimidade

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Defender a esfera pessoal dos indivíduos implica criar parâmetros mínimos de diálogo, de debate político.

Na esfera pública o que entra em disputa são opiniões alicerçadas em argumentos. O que se destrói, e deve se atacar sem medo, quando elas são incoerentes, são as proposições emanadas pelos agentes.

A esfera pessoal deve ser a todo momento preservada como um meio de proteger, inclusive, a nossa própria vida privada.

É assim na democracia, que estabelece a separação entre público e privado, entre aquilo que é do interesse da sociedade e o que diz respeito apenas ao indivíduo.

O que interessa saber, por exemplo, se Micarla de Sousa está separada ou vivendo com o marido? No que isto vai contribuir sobre questões substantivas para a cidade?

Há um certo sadismo, misturado com pobreza intelectual e de vida, nos leitores de contigo. Uma pobreza que é expressada, inclusive, por alguns que se apresentam como analistas políticos, que, ao invés de cumprirem o seu ofício, escondem a sua incapacidade de qualificar o debate, ludibriando os seus leitores com notas sobre a sexualidade de um ator social, sobre a traição familiar de um agente político.

O cientista político Fábio Wanderley Reys afirmou que a política é a organização de interesses. Cada grupo social, dentro de espaços de regulação de conflitos, quando se vive numa democracia, coloca seus pontos de vista e é a partir desse jogo, que a gente tem a criação de marcos solidários. Mas são consensos forjados em torno de indagações públicas, não sobre o casamento de fulano ou religião de cicrano.

Temos de criticar a ação da prefeita no caso da operação assepsia, em que está ficando claro que ela usava dinheiro de propina para pagar contas pessoais, na sua incestuosa interação com o erário. Isso para mim é mais claro do que o sol.

Mas sempre discordei de algumas críticas em relação a sua religião. Além de pouco contribuir para o debate, cria precedente que acaba com a possibilidade transformadora da política.

Quando deixamos temas que dizem respeito a organização da sociedade, para falar da vida pessoal de alguém, a política deixa de realizar suas possibilidades e passa a constituir um cenário de miséria. De miséria porque, no final das contas, é a figura humana que está sendo atacada. A reflexividade da ação comunicativa, como um ideal de atuação pública a ser perseguido, cede lugar para a baixaria, até para o linchamento. Hoje é o outro. Amanhã pode ser eu, ou mesmo você.