Conversa com Djamiro Acipreste
Por Ivenio Hermes
“Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.” Léon Tolstoi
Revelações a quem tem direito
Entre 1964 até 1985, houve no Brasil um regime militar que matou, simulou suicídios ou deu sumiço em pessoas, cujo único crime era possuírem ideias contrárias às do governo ou que simplesmente eram incompreendidas por serem muito inovadoras.
Evitando contrapor outra lei existente, a da anistia, a comissão poderá convocar vítimas ou acusados para esclarecimentos, rever todos os arquivos do poder público sobre o período, porém não poderá punir nem recomendar punições àqueles que forem acusados de violar direitos humanos.
A grande quantidade de potiguares que foram vítimas desse regime de exceção ensejou a criação no Estado do Rio Grande do Norte de sua própria Comissão da Verdade e da Memória.
Conversando com Djamiro Acipreste
Djamiro Acipreste quer compartilhar o objetivo da Comissão com todos. Ele não esconde sua paixão pelo assunto e durante a palestra que preparou para divulgar o assunto e depois abrir para o debate, se emocionou com as verdades duras que tinha para falar.
Para ele, a comissão possui dois pilares. Um deles o de buscar de fato o que aconteceu. Descobrir e expor quem são os atores/opressores e quem são os atores oprimidos.
O segundo pilar é a memória. É estar nas universidades, faculdades e escolas mostrando que algo diferente aconteceu e não foram relatados nos livros de história. Essa presença visa mostrar a história de potiguares que tiveram suas vidas ceifadas por acreditar naquilo que outros acreditavam.
Resgatar essa memória e garantir que a verdade seja amplamente conhecida também pode ajudar a proteger pessoas que hoje, se fosse instaurado um regime de exceção, pudessem se manifestar.
Djamiro fala que Manoel Filho foi torturado e morreu de hemorragia em São Paulo, mas ao ser encontrado, havia uma mensagem escrita com o próprio sangue dele dizendo que sua morte não fora em vão. Ele foi preso de calças jeans e sandálias, mas no obituário dizia que ele foi encontrado morto enforcado com as meias que usava.
O fato de presidir a comissão é uma honra acompanhada de peso desumano, pois embora sempre tenha militado nas causas políticas-sociais e direitos humanos, estar presidindo uma comissão com nomes fortes como Marcos Guerra, Daniel Alves Pessoa e outros, configura-se num peso extremamente forte.
Além disso, ele crê que alguns municípios potiguares precisam conhecer seus verdadeiros heróis e não certos políticos que não estão comprometidos com as causas sociais e nem com a evolução da sociedade potiguar. Ele cita como exemplo Anatália Alves para Mossoró e Emanuel Bezerra Santos para Caiçara.
Heróis Potiguares
Se havia ainda alguma dúvida da paixão do presidente da comissão, durante sua palestra ela deixou de existir. Ele se recusa a acreditar em falsos governantes que posam de heróis diante dos verdadeiros detentores desse título, cujos nomes e ideias simples ousaram expor novas ideias para seu povo e representaram o bom nome do povo potiguar em todos os lugares em que estiveram, alguns dos quais, sob as atrozes circunstâncias a que suas inocentes vidas foram ceifadas ou seus corpos torturados.
Conheça alguns heróis apresentados na palestra de Djamiro:
Luiz Maranhão: Ex-deputado estadual, líder comunista, militante do PCB, irmão de Djalma Maranhão. Ao ser sequestrado estava refugiado numa casa na Praia da Redinha, foi levado para o RO (Regimento de Obuses) e deixado numa sala onde já se encontravam outros presos políticos indiciados como comunistas e subversivos; Na noite de 21/04/64 ele e mais três companheiros foram levados para mais uma sessão de tortura. Foi assassinado pela ditadura militar em 74;
Anatália Alves: Uma professora que trabalhava numa cooperativa de mulheres em Mossoró e que ousou falar de consumo consciente para não criarmos uma sociedade consumista e depredadora dos recursos naturais.
Causa mortis alegada: suicídio com a alça de sua própria bolsa pendurada abaixo de sua altura (além de ter sua genitália queimada post mortem), assim como Herzog.
Emanuel Bezerra Santos: Líder estudantil do Colégio Atheneu e militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Cursava a antiga Faculdade de Sociologia na Fundação José Augusto, onde se destacou nos estudos do marxismo-leninismo e economia política. Organizou a bancada dos estudantes potiguares para o histórico congresso da UNE, em Ibiúna-SP.
Causa mortis: disparos de arma de fogo, diversos tiros, pois se supunha perigoso, a despeito de sua estrutura física franzina.
Vulpiano Cavalcante: (1911-1988) Médico e membro do Partido Comunista Brasileiro, nas décadas de 1940 e 1950, costumava ir sempre a Macau onde exercia a medicina gratuitamente e fazia o trabalho político de conscientização dos trabalhadores. Cada vez que era apanhado, recebia golpes violentos nos dedos para impedirem que ele praticasse a medicina. Um grande democrata que lutou pela igualdade entre os homens.
José Silton Pinheiro: Egresso do Diretório Estudantil Marista, do qual foi presidente, ele foi preso em dezembro de 1972 e torturado até a morte. O motivo da tortura foi a coragem de não entregar seus companheiros de luta. Seu nome homenageia o Diretório Central dos Estudantes da UFRN.
Djalma Maranhão: Professor de Ed Física do Colégio Atheneu. Fundador e Diretor de Jornais. Militante do Partido Comunista nos anos 40. Eleito Deputado Estadual 1954; Duas vezes prefeito de Natal; Deposto da prefeitura pelo golpe do Estado de Abril de 1964, esteve preso em quarteis do Exército de Natal, na Ilha de Fernando de Noronha e Recife. Publicou um manifesto na imprensa do RJ e por isso, foi libertado por Habeas Corpus do STF, asilou-se na embaixada do Uruguai. Morreu no exílio em Montevidéu em 30/07/1971.
Os resultados que virão
A versão potiguar da Comissão da Verdade e da Memória da Ordem dos Advogados do Brasil, conta com 12 membros, homenageia o advogado Luiz Maranhão. Além de Djamiro na presidência outro importante nome o sucede como vice, Marcos Dionísio Medeiros Caldas.
A notoriedade dos membros é mencionada pelo próprio Djamiro e essa equipe unida tem muitos documentos para analisar, pessoas para serem ouvidas, resultados para apresentar.
O discurso do presidente da comissão é tão completo que poucas perguntas sobraram para a entrevista e a plateia não suscitou debates controversos. Portanto, ele respondeu quase todas as perguntas previamente, pois na sua experiência em lidar com o tema, sabia os pontos que suscitariam mais questionamentos.
Mesmo assim, nossa conversa foi bem longa e sabemos que desse trabalho que está sendo desenvolvido pela comissão, surgirão bons resultados para a sociedade potiguar e para o Brasil.