Conselho Editorial da Carta Potiguar
Diante da repercussão e de toda movimentação em torno do episódio do internamento do aluno da UFRN, o Conselho Editorial da Carta Potiguar decidiu, analisando as informações de que dispomos, observando as diferentes táticas e interesses dos grupos envolvidos e ponderando as críticas que recebemos no outro editorial, se pronunciar mais uma vez sobre o caso. Nossa intenção é deixar claro como enxergamos o imbróglio criado, assim como externar publicamente nossas críticas ao que alguns grupos vem fazendo em torno desse lamentável e difícil episódio.
Nesse episódio existe um pouco de tudo; boatos, informações desencontradas, contra-informação, aspectos verdadeiros, interesses políticos etc.. Ninguém, ou quase ninguém, sabe por completo a história em todos os seus detalhes, embora exista sim pessoas que estão bem mais próximas, e, que, por isso, possuem uma visão mais consistente dos acontecimentos e do desenrolar. Mas mesmos essas pessoas possuem, também, algumas dúvidas.
Há duas coisas importantes que é preciso distinguir e ter bem claro. Uma é a situação e interesses da família e a outra é a reivindicação de esclarecimentos e explicações a respeito da conduta da universidade em todo esse episódio. Na primeira o foco é a preocupação pela garantia da saúde e o nível de exposição gratuita do estudante, zelo, aliás, que é, ou deveria ser, de todos, e não apenas da família.
A segunda consiste nas exigências por esclarecimentos a respeito de como os poderes públicos (universidade, reitoria e outros órgãos) agiram no tratamento desse difícil e, até aqui, controverso processo. Existe, portanto, uma dimensão privada e outra pública – na medida em que poderes públicos agiram e intermediaram. A questão toda, nos parece, consiste em compreender e distinguir esses dois pontos, e não misturá-los de modo algum, pois ambos são legítimos em suas esferas de atuação.
Nenhuma condição clínica é questionada e nem medidas médicas, mas sim o modo e as condições como estas foram tomadas e utilizadas. Questionamos sim, no sentido de pedir investigação (pelos poderes competentes), explicações e esclarecimentos, a respeito de como os poderes públicos envolvidos se portaram em relação ao aluno, à família, etc.. A postura e os procedimentos adotados (laudos, reuniões) necessitam estar no consciente comum do ambiente acadêmico antes que teorias e mais teorias sejam elaboradas e pessoas de intento duvidoso se aproveitem delas para fins políticos.
QUESTIONAMENTOS
Concretamente, respeitando, compreendendo e distinguindo a dimensão privada da situação (foro íntimo) e a pública (foro aberto), cada um na legitimidade de seus interesses, demandamos saber:
– Como está o aluno, como estão suas condições reais e como está o respeito à sua dignidade;
– Se há/houve alguma ameaça ou situação de risco a integridade de alguém que legitime qualquer ação policial/médica contra o aluno;
– Se há relação entre o ocorrido com o aluno e as denúncias e críticas que este vinha empreendendo contra a reitoria; se há alguma relação entre o internamento e as supostas ameaças do aluno;
– Qual foi o nível de participação da universidade em todo o processo; de quais procedimentos administrativos ela se valeu nas conversas com a família e com o aluno; que outros órgãos e poderes públicos participaram; e como estes órgãos (psiquiatra e polícia) mediaram e atuaram junto à família;
– Como a segurança da UFRN atuou no caso e qual a legitimidade de sua atuação. Se, diante de tal exposição, não seria melhor, para clarear os fatos, tornar público todo o processo de contratação da empresa de segurança, até mesmo por respeitar o princípio da publicidade da administração pública, além de asseverar, caso existam condições, a qualidade do treinamento dos seguranças terceirizados, questionamentos legítimos feitos pelo aluno;
ANÁLISE E POSICIONAMENTO DA CARTA POTIGUAR
Entendemos que o processo de atuação e negociação da universidade em relação a todo o caso não foi bem conduzido por seus atores. De modo que, suspeitas de pressão e direcionamento sobre a família não podem ser sumariamente descartadas como descabidas e inverídicas.
É preciso investigação sobre o comportamento da reitoria e, também, acerca das condições e informações a partir das quais a família decidiu pelo internamento. Por outro lado, qualquer determinação a priori da natureza da motivação que levou a reitoria a agir de modo, aparentemente, dúbio e controverso, não passa de especulação. Não sabemos se a motivação foi política, se foi incompetência administrativa, se foi pelo medo e receio do comportamento do aluno, etc.. O que torna ainda mais candente a necessidade de investigação.
NOSSAS CRÍTICAS
Há muita gente tentando explorar o caso contra a universidade e a reitoria em particular, transformando-o apressadamente numa bandeira política para enfraquecer a reitora e determinados grupos sem se importar com a exposição do aluno. O foco principal não deve ser esse. Existe, entretanto, uma situação nebulosa, com indícios de má condução por parte da UFRN, sobretudo do Staff da reitoria. Mas é preciso cuidado, para não ultrapassar a esfera do razoável e não esquecer o que, de fato, está em jogo.
SOBRE A MATÉRIA DO JORNAL DE HOJE
A matéria do Jornal de Hoje sobre o caso é a expressão daquilo que o jornalismo não pode ser – a sempre e inquestionável defesa do status quo.
A reportagem não se deu ao trabalho de levar em consideração o conteúdo das críticas que o aluno em questão (porque já concluiu que ele é um incapaz), outros alunos, professores e membros de outras instituições representativas estão fazendo (SINTEST e Comissão de Direitos Humanos da OAB). Todos que falam sobre o assunto estariam, para o Jornal de HOJE, desinformados e a versão que vigora, a correta, é a da reitoria, em todas as suas nuances, sustenta de modo desavergonhado o jornal.
O texto do JH se centra, isto sim, em pintar o discente internado como um desequilibrado, que não fala coisa com coisa, como um baderneiro, que participou da #RevoltadoBusao e que já foi até investigado pela polícia federal (leiam a matéria e notem a associação implícita entre esquizofrenia, baderneiro, #revoltadobusão, polícia e, pasmem, até “terrorismo”: http://jornaldehoje.com.br/mae-de-universitario-internado-nega-intervencao-da-ufrn/).
Ora, o texto cuida de desqualificar um movimento social constituído, que não tem nada a ver com o ocorrido (com qual intenção?), e não preserva a imagem do discente do mestrado de Ciências Sociais.
Esquizofrenia não é uma doença incapacitante em que o eu deve ser mortificado. Tem controle, tratamento. Tanto é que o discente em questão fez graduação e está fazendo mestrado, tem amigos, vida social, etc.. Mas a criminalização da doença mental não nos espanta. O referido periódico foi o mesmo que, durante a eleição, criticou a defesa do “homossexuaLISMO”, termo médico utilizado para a enquadrar a homossexuaLIDADE como uma patologia, raciocínio já abolido pela organização mundial de saúde (homossexualidade já não não consta há algumas décadas no CID – Código Internacional de Doenças porque deixou de ser considerada patologia).
O texto desconsiderou – e o fez por que não se deu o trabalho de investigar? – que a mãe pode ter sido – ou estar se sentido – pressionada para apresentar aquele relato, temendo possíveis represálias. Por exemplo, é ponto pacífico que não foi a mãe que procurou a UFRN, mas o contrário. Com as informações confiáveis sobre o fato, nem o maior cabo da Universidade no caso sustentaria tal narrativa a respeito do ocorrido.
No fim, só uma defesa intransigente da reitora e da reitoria, desconsiderando os inúmeros indícios que contrariam o fantástico mundo de Pangloss, personagem de Voltaire que acreditava viver no melhor dos mundos. Só faltou se antecipar ao pleito e já lançar o nome da Prof(a) Ângela, reitora, para reeleição.