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Eleitores em ação

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As eleições municipais se aproximavam quando aqueles três amigos se reuniram no mesmo restaurante de sempre para o ritual sagrado do almoço da sexta feira, onde se encontravam desvencilhados das amarras de suas esposas para tratarem de assuntos que diziam respeito a cada um deles e, claro, à vida alheia.

O assunto da reunião, obviamente, era a disputa pela prefeitura da cidade, que já ardia em chamas e em barulho vindo de todos os recantos, de onde se ouvia os gritos da militância e dos candidatos a suplicarem os votos necessários para o êxito eleitoral. Àquela altura do pleito, muitos já tinham se comprometido com um dos candidatos que se apresentavam como opção para renovar a vida política da cidade, embora fossem todos adeptos das práticas ancestrais que os acompanhavam desde o tenro berço de recém-nascido. Tudo isso era sabido, mas não importava. É que a liderança política se sustenta não em eleitores conscientes, e sim nas velhas estratégias e discursos que aprisionam os espectadores do cenário político não pelo coração ou pelo cérebro, e sim pela parte do corpo que mais lhes interessa: o bolso.

Isso, claro, era do conhecimento dos amigos que ali compartilhavam doses de whisky e pasteizinhos de camarão enquanto não chegava o prato principal. Entre um gole e uma mordida, eis que os trabalhos foram solenemente abertos por um dos comensais.

– Meus queridos amigos de longíssima data. Hoje é um almoço especial. Tenho algo a lhes pedir e sei que vocês vão me atender, afinal, são tantos anos de convivência, e hoje mais do que nunca preciso de vossa ajuda.

Os outros dois convivas se entreolharam com ar de preocupação, já imaginando qual seria o teor do pedido justamente naquele período onde em todos os lugares da cidade havia alguém amealhando votos. Tomados desta suposição, e baixando o espírito do profeta do óbvio, calaram e ficaram a esperar o fatídico pedido.

– Nunca lhes pedi nada, mas hoje quero pedir o voto de vocês para o meu candidato a prefeito. Vocês sabem que é, e creio que dispensa maiores apresentações.

Depois de um rápido silêncio, eis que um dos interlocutores falou:

– Ah!, sim, conheço bem o seu candidato. É um homem de bem a quem eu daria meu voto se…

– Oh!, rapaz! Ajude-me! Tenho expectativas de assumir um bom cargo caso ele seja eleito. Peço esse voto não tanto para ele, mas para mim. Pense no seu amigo velho que lhe pede esse mísero favor.

Depois de trocarem um olhar silencioso, veio a resposta:

– O problema, amigo, é que eu também vim aqui para pedir o seu voto para o MEU candidato. Você também o conhece e sabe que se trata de um homem de altíssimo gabarito. Competente, preparado, trabalhador. Além disso, ele é parente da minha mulher, e o que é mais importante, minha empresa terá preferência na contratação de alguns serviços da prefeitura. Você sabe como o mercado anda difícil; a empresa não está passando por um bom momento. Por isso estou pedindo aos amigos para votarem da mesma forma como você disse: não tanto pelo candidato, mas em mim que estou precisando de ajuda.

Eis que o primeiro respondeu:

– Mas que indignidade! Eu já contava com seu voto, cara!

– Ora! E eu com o seu!

Nesse momento o terceiro ocupante da mesa recebeu os olhares dos outros dois que se digladiavam em busca do voto. Seu desconforto foi patente e o fez sorrir envergonhado para os dois amigos que passariam a disputar à tapa o seu mísero voto. O que esperava recuperar a saúde financeira da sua empresa com a eleição do seu candidato foi mais rápido e atirou, inapelável:

– Ah!, pelo menos você vai me ajudar, não é? Esse homem aqui – e bateu camaradamente no ombro do que assumiria um cargo na prefeitura – já está com a vida feita. Veja como está roliço e bem vestido. O homem anda numa Land Rover, zerada! Enquanto isso eu passo aperreio para pagar a folha de pagamento do mês. Eu preciso do seu voto mais do que ele, meu caríssimo amigo. Posso contar com você?

Sem pestanejar, o que sonhava com o cargo sentiu-se em desvantagem, e sem nem esperar por uma resposta do coitado que ouvia o argumento do outro, emendou as razões superiores do seu pedido:

– Que conversa é essa, rapaz! Minha vida anda de cabeça para baixo! Faz três meses que não pago a prestação do meu carro. Estou vendo a hora o banco vir tomar ele de mim. Não posso ver um oficial de justiça na rua que me escondo! É uma lástima! Assumir esse cargo será a salvação da minha lavoura, e ademais o amigo aqui que esta a choramingar pelo seu voto é um homem abastado. Ou você não soube que ele andou fazendo uma longa viagem a passeio para a Europa com a família? É só ver as fotos no Facebook. Só por aí você vê que eu preciso mais do seu voto do que ele. E então, posso contar com você?

O impasse tomou conta daquela mesa antes amistosa, jogando-a num silêncio aterrador, onde os dois suplicantes aguardavam ansiosos por uma resposta favorável daquele único amigo que ficou como espectador de uma disputa ferrenha pelo seu próprio voto. O suor já molhava sua testa, e, tomado de aflição, olhou para os amigos e falou tristemente:

– Garçom, a conta!

Os dois se entreolharam, surpresos com a reação inesperada e perguntaram quase ao mesmo tempo?

– E então, vai me ajudar ou não?

Foi quando a resposta veio firme e quente como um raio:

– Porra! Eu vim certo de que ia conquistar dois votos para o meu candidato, mas se eu ficar aqui mais um minuto vou me acabar em lágrimas com a miséria de vocês e, pior, termino vendendo o meu único votinho que já tem dono.

Recebeu a conta, pagou sua parte e deixou os outros dois estupefatos com o insucesso de suas pretensões eleitorais.