Por Ramon Gurgel – Historiador
Desde a nossa suposta descoberta pelo então navegador Pedro Álvares Cabral, adquirimos costumes e peculiaridades de um povo oriundo da península ibérica, preocupados em manter o luxo e a pompa de uma Realeza (e de uma Instituição Religiosa) faminta por riquezas a qualquer custo. Primeiramente éramos depósito das mazelas deste que, até então, comemorava os louros advindos de muito suor, exploração desenfreada e sangue das “raças inferiores”, dos “sem alma”. Depois disso veio a exploração do pau-brasil, o ciclo do açúcar, do gado, do ouro… até uma fajuta independência proclamada por um príncipe farrista que morreu de sífilis. Uma proclamação da República, uma era Vargas e um golpe militar… favorecendo sempre uma pequena fatia do bolo. Este último período citado liberou concessão a uma poderosa emissora de TV que, a mando dos militares, propagava um ambiente nacional maravilhoso, resplandescente, enquanto lá fora o que se via eram guerras, mortes e catástrofes – o Brasil era um “planeta” fora desta realidade. No âmbito ideológico tivemos algumas pessoas realmente preocupadas sobre os rumos que este país tomava e foram logo taxadas de “antidemocráticas”. Fomos distraídos com um rápido “Milagre Econômico”, 3 Copas do Mundo de Futebol (até 1970), acreditávamos em tudo que o noticiário dizia, as pornochanchadas nos divertiam… com o intuito de que nossas atenções fossem desviadas para as “tenebrosas transações”. As pessoas responsáveis em ditar os rumos deste país nos poluíram mentalmente: fazendo com que aceitássemos tudo do jeito que eles queriam, e nós absorvíamos qualquer tipo de porcaria como algo de qualidade, como símbolo de nossa cultura. Hoje não valorizamos a família; nossas riquezas são exportadas e ficamos com a sobra; bancamos vida boa de bandidos de paletó e de suas famílias há séculos; enaltecemos nosso patriotismo quando 11 jogadores travestidos de “guerreiros” adentram as 4 linhas de um gramado; igualamos artistas de músicas monossilábicas a mestres da música que “camuflavam” letras magníficas para fugir de uma cadeia, de uma tortura, de exílios; elegemos representantes que vivem de mesada em troca de seu silêncio; presidenciáveis indicam comparsas para galgarem o degrau mais elevado da Justiça para acobertar uma omissão escancarada; privatizam bens públicos disseminando a ideia de ser o melhor para o país; valorizam o uso de gírias para quem não escreve bem a língua mais rica do planeta; votamos de qualquer jeito, por qualquer trocado, enquanto pessoas perderam a vida para que tivéssemos este direito; precisamos viajar para comprar um carro mais barato (e fabricado aqui); pagamos muito caro pelo combustível do qual somos autossuficientes; hospitais e escolas estão sucateadas enquanto o marketing do governo está superfaturando; entre tantos outros absurdos que aceitamos porque “é assim mesmo”, porque “é assim desde que o mundo é mundo”, porque “é perda de tempo lutar contra” – e não é!
Portanto, esta mesma inversão de valores é feita justamente para ir de encontro àquilo que achamos ser correto para beneficiar uma parte da sociedade: parte esta que não existe, pois fazemos parte de um todo! Taxar integrantes “X” e “Y” de baderneiros, vagabundos, vândalos, selvagens é justamente mascarar a maior violência de todas: A OMISSÃO sobre aquilo que está sempre na nossa frente e não enxergamos por mera conveniência. Infelizmente a baderna, desordem e vandalismo é uma resposta de muitos destes casos citados acima. Somos um país que cresce, mas na hora da divisão ficamos de fora da festa, que fica para uma minoria corrupta, cretina e egoísta. A miséria é fruto de uma máquina de fazer dinheiro: a política mal conduzida – e é por isso que ela não pode ser erradicada, como a saúde, a educação e a segurança sucateadas. Portanto, ao invés de criticarmos estes “bandidos, baderneiros, vândalos e vagabundos…”, porque impediram seu caminho tranquilo por uma avenida esburacada e mal sinalizada, vejamos o que fizemos até agora para evitar esta manifestação “indigesta”. Este senhor de mais de 1500 anos não aguenta mais tanta omissão, tanto descaso, tanta cumplicidade com as mazelas que afligem nosso povo neste longínquo período. Que sejamos menos idiotizados e que fiquemos mais atentos às manobras políticas desta terra que (dizemos que) tanto amamos somente quando vestimos uma camisa verde amarela da Nike, principalmente.
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Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, de Oscar Pereira da Silva