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Direito da Democracia: Financiamento de campanhas eleitorais ou um barato que sai caro

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Se sabe que uma das maiores distorções do sistema eleitoral é o financiamento das campanhas. Não apenas pela diferença de poderio econômico entre as campanhas, mas pelo uso indiscriminado por candidatos do famoso “caixa dois” e de recursos advindos de fontes vedadas.

A Lei no 9.504/97 dispõe analiticamente sobre o financiamento das campanhas eleitorais, elencando, por exemplo, uma série de fontes vedadas (art. 24): entidade ou governo estrangeiro, órgão da administração pública ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público, concessionário ou permissionário de serviço público; entidades paraestatais, entidade de classe ou sindical, pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior, entidades beneficentes e religiosas, entidades esportivas, dentre outras.

Inclusive, buscando o equilíbrio da campanha, a lei limita as quantias doadas por pessoas físicas (art. 23 – 10% de seu rendimento bruto no ano da eleição) e pessoas jurídicas (art. 81 – 2% do faturamento do ano da eleição) para candidatos e partidos políticos.

Qual é a importância de toda essa burocracia?

É que, como não cansam de lembrar (e com razão) os candidatos do PSOL, empresário não faz doação, faz investimento. Os candidatos eleitos com apoio de vultuosos recursos, muitas vezes captados à revelia da lei, se tornam devedores de rendimentos esperados por seus “doadores”. É aí que começa a confusão  dos recursos públicos e privados.

Ocorre que a implementação dessas regras é extremamente difícil. A fiscalização do cumprimento das normas financeiras de campanha se dá exclusivamente pela prestação de contas perante a Justiça Eleitoral durante e após as eleições.

A sistemática de prestação de contas prevista pela lei, contudo, não é nem próxima de ser eficaz no combate ao caixa dois. Ela consegue meramente identificar o correto trâmite dos recursos licitamente processados pelos candidatos pelos arcanos escaninhos contábeis.

O mais comum é ver um candidato ter contas reprovadas por ter um mau contador. E isso causa ainda outra distorção: o candidato que não tem dinheiro para pagar um contador especializado em campanhas eleitorais ficará condenado à inelegibilidade por reprovação de contas (segundo a atual jurisprudência do TSE), mesmo que não tenha recebido recursos de fontes vedadas ou se utilizado de contabilidade paralela.

Por outro lado, os candidatos que se utilizam de recursos espúrios conseguem manter devidamente separada a contabilidade oficial da paralela, se beneficiando de uma estrutura colossal para a eleição. Eleitos, começa o pagamento. E o atual formato de fiscalização da Justiça Eleitoral nada poderá fazer.

Basta lembrar do escandaloso #CaixaDoisdoDEM em 2004. Com provas cabais de caixa dois na campanha do partido, sequer foram procedidas investigações suplementares.

Acredito que o combate ao abuso de poder econômico nas eleições parte por uma reformulação no paradigma de fiscalização financeira da Justiça Eleitoral.

Primeiro, a fiscalização das atividades de campanha dos candidatos em contraposição ao declarado em sua contabilidade. Será que o candidato declarará a origem de dois helicópteros que atuaram na sua campanha? E o combustível que pagou em suas carreatas? E os pagamentos de seus cabos eleitorais? E os milhões de adesivos em vidros de automóveis?

A segunda é aliar à Justiça Eleitoral a expertise de órgãos de maior capilaridade fiscalizatória no Brasil: a Receita Federal, Banco Central e Conselho Administrativo de Fiscalização de Atividades Financeiras – COAF. A Receita tem acesso a toneladas de dados fiscais das empresas doadoras e até mesmo sobre a circulação de mercadorias e bens no comércio nacional. O Banco Central e o COAF, informações sobre movimentações bancárias suspeitas. Acreditem ou não, hoje a Justiça Eleitoral praticamente não tem vínculos fiscalizatórios com esses órgãos.

E parece inclusive que a Justiça Eleitoral sabota a si mesma.

Para as prestações de contas referentes às eleições de 2008 e 2010, o TSE firmou convênio com a Receita Federal para o fornecimento por esta de dados sobre a renda de doadores de campanha para que se pudesse identificar as doações que excederam os limites dos artigos 23 e 81 da Lei das Eleições.

E não é que depois de ajuizadas milhares de ações pelo Ministério Público Eleitoral fundadas nos dados fornecidos pela Receita, em uma crise de esquizofrenia, o TSE decidiu que os dados que ele próprio requisitou eram provas ilícitas, por violar o sigilo fiscal dos doadores!

Foi, a meu ver, uma confusão imperdoável entre quebra de sigilo e transferência de sigilo. São conceitos que não me cabe aqui analisar mais detidamente.

De qualquer forma, a mensagem que fica: a corrupção administrativa no Brasil nasce na fonte – na corrupção eleitoral. Enquanto esse mal não foi cortado na fonte, nos recursos financeiros espúrios, não haverá solução. E o financiamento privado de campanha, que em tese é mais barato para os cofres públicos, sai bem mais caro que a encomenda.