Arre égua!
Disse o Secretário
Na solenidade de inauguração.
Porra!
Disse o deputado,
Em plena sessão extraordinária.
Será o caralho!?!
Disse o ministro,
Quando recebeu só 20%
Puta que pariu!
Disse o Presidente
Da Associação Beneficente
(Falcão)
This is such a happening tailpipe of a party.
Like sugar, the guests are so refined.
(Pearl Jam)
Ontem, ao celular (1), conversando com uma amiga, reclamava ela que eu estava falando palavrão demais. Sim, de fato, é verdade – estava falando bastante palavrões (2). O que estranhei, porém, foi a queixa dela. Argumentei simplesmente que já conversei com ela noutros momentos e minha performance palavronesca estava bem pior do que naquele momento – e ela não havia feito queixas nessas horas (ou, pelo menos, não com a mesma intensidade que a conversa telefônica que então travávamos). Disse ela que isso de palavrão não convinha a mim, posto que eu sou “inteligente”, “culto”, “educado”… Ou seja, não se espera esse tipo de comportamento de minha parte.
Sim, claro; o povo costuma se espantar quando, “de repente”, praguejo qualquer coisa “do nada”. Exemplo disso: um dia desses, no Twitter, uma hashtag que estava nos TTs (não lembro quais) dizia: “#SintoCiúmes”. Aí eu me retei. Quem me conhece sabe, naturalmente, o quanto me dá asco esse sentimento. Lasquei então meu recado básico: “Ciúme de cu é rola, caralho! Que se foda o seu ciúme! ¬¬'” No Facebook (integrei o Twitter ao Face, de modo que meus tuítes são vistos lá também), uma garota se impressionou com meu destempero, a ponto de me “desconhecer”. Afinal de contas, sou um cara educado, culto, inteligente, essas coisas que normalmente não fazem precipitar uma atitude assim tão rude, tão indelicada, tão grosseira, cacete! Ora, é óbvio que eu não praguejo nada do nada, nem mesmo quando estou entediado; aliás, nessas horas a boca suja que é uma beleeeeeeeeeza! Estragon e Vladimir, em algumas partes do segundo ato de Esperando Godot, recorrem rapidamente a esse recurso como forma de mitigar o profundo tédio que sentem.
E aí que o bicho começa a pegar. Ninguém tem dúvidas de que Samuel Beckett era extremamente culto e inteligente. Desconheço a trajetória de vida dele em detalhes; porém, a julgar pelo que escreveu e pelo que viveu, não parece lá muito claro se ele era educado (no sentido de polidez e gentileza que se espera de alguém que possua aquele atributo).
Na verdade, é um erro simplesmente crasso associar cultura a gentileza. A coisa mais fácil do mundo é encontrar um indivíduo inteligentíssimo, mas de arrogância e destrato notórios. Inteligência promove rendez-vous com a misantropia de modo deveras freqüente. A inteligência, a educação, a cultura – o refinamento pode até potencializar, mas não implica um melhoramento de caráter.
Quem quiser pode ir lá em Memórias do Subsolo de Dostoiévski, A República de Platão ou O Grande Gatsby de F. S. Fitzgerald conferir o que o refinamento faz com as pessoas.
Açúcar demais no sangue faz liberar a insulina; insulina demais abaixa a glicose; glicose de menos deixa a pessoa semi-consciente, embiagrada. Não seria isso que o refinamento provoca nas pessoas: um delírio, uma sensação presunçosa de que se é melhor do que qualquer outro que não partilhe desse comportamento refinado? Se, como disse Heidegger, a linguagem é a casa do Ser, então a morada desse povo refinado não é exatamente uma morada hospitaleira. Não me sinto exatamente à vontade num ambiente refinado, mas extremamente hostil – especialmente quando os moradores, cheios de si, acham que tão com o rei na barriga.
Portanto, é um engano pretender que o refinamento torne o ser humano melhor. Não torna. Não vai ser a linguagem que, passivamente, refletirá essa melhora. Pelo contrário, as grandes personalidades da história, que o povo adora cultuar, fizeram o que fizeram graças ao modo como foram refinadas. Além do mais, ser refinado é, basicamente, ser extremamente sonso. Não dá pra mim. Agora, pra quem ficar de mimimi pra riba de moá, porque eu fico dando nome, porque isso não é coisa de gente educada etc. etc., três palavras: pau no cu. E aprenda a se surpreender menos com o defeito alheio.
(1) Nada como fazer a média com os gramatiqueiros.
(2) E eis que a média foi desfeita.