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A RAZÃO DOS REFLETORES

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Por Paulo Afonso Linhares, Professor da UERN

 

Definitivamente, estava errado no momento em que rasguei elogios à superexposição midiática de alguns tribunais, mormente do Supremo Tribunal Federal, “clef-de-dôme” do Poder Judiciário brasileiro e proclamado guardião da Constituição, embora fosse mais preferível como tribunal constitucional do tipo da Corte de Karlsruhe, da Alemanha. Inda bem que o detectei com a necessária brevidade. Afinal, Molière (1622-1673) já dizia que “os erros mais breves são sempre os melhores”. Os refletores fazem mal aos juízes e lhes embaralha os julgamentos. Afinal, o ofício da judicatura é incompatível com arroubos e vaidades juvenis, com a falta de serenidade, com a intolerância e com o estrelismo hollywoodiano que pode acometer algumas pessoas diante das luzes da ribalta. Aliás, engraçado é que o julgamento do “Mensalão”, no STF, tenha a mesma marcação de uma dessas novelas da Rede Globo, deixando sempre o suspense da próxima “atração”.

O episódio do julgamento do “Mensalão” tem sido didático no sentido do poder nefasto dos refletores para o STF. Rara tem sido a sessão que não se transforma em comédia pastelão de terceira classe, com cenas de intolerância por parte de ministros que não respeitam as opiniões de colegas externadas na forma de votos. Isto sem levar em conta os raciocínios tacanhos e as acanhadas fundamentações fáticas e jurídicas das decisões. Uma lástima. Sob a intensa luz dos refletores, é natural que os raciocínios se embotem e prevaleça a vontade de agradar a opinião pública do que mesmo o escopo de realizar a Justiça. Ao fim, o julgamento se transforma num enorme torneio de acendradas vaidades, no qual o que está em jogo é a premissa: se todos já são deuses, qual dos insignes ministros será mais divino? Besteira, diante das câmeras nem imaginam suas excelências que são homens e mulheres de carne, ossos e fezes (que não é o plural de “fé”…), iguais a bilhões de humanos que viveram, vivem ou viverão. Aliás, tinha razão o poeta alemão Hölderlin (1770-1943) quando disse que “o homem, quando sonha, é um deus, quando reflete, é um mendigo”.

Se for bem certo que exercem importante munus público, mais ainda que os magistrados em geral e em particular os ministros do STF, têm a seu cargo o dever republicano de educar politicamente o povo a partir dos julgamentos que fazem. Embevecido com o potencial “educativo” das filmagens para televisão, Internet etc., das sessões de julgamento do STF e de outros tribunais brasileiros, não me apercebi do quão prejudicial isto seria para a qualidade das decisões, com baixas dosagens de Direito e de Justiça a impregná-las, ademais de desfiguradas a partir do enorme assedio das mídias e da pressão direta da opinião pública sobre o Tribunal. Em suma, nas decisões até agora exaradas pelo STF no processo do “Mensalão”, é perceptível o conteúdo mais político do que jurídico nas razões de decidir externadas pelos julgadores desse Tribunal. Pode ser até que justiça tenha sido feita, porém, não fossem tantas luzes de irrefletidos refletores, a ofuscar mentes que não deveriam ser ofuscadas, talvez o espírito da Justiça pousasse com mais firmeza nesse chão de mulheres e homens concretos e falíveis. Sem mais flashes e holofotes.

Tribunal que se preza fica longe dos refletores, nem julga para agradar a segmentos da opinião pública. Menos ainda, julga apressadamente como vem julgado o STF no affair do “Mensalão”. Já Sófolces (496-406 a.C., Fragmentos, 772) asseverava que “o raciocínio e a pressa não se dão bem”, porquanto “a pressa gera o erro em todas as coisas”, nas palavras de Heródoto (484-430 a.C.,Histórias, VII, 10). O Supremo Tribunal Federal, neste momento, julga com enorme pressa, atarantado com os refletores. Os resultados são enfadonhamente previsíveis: os principais acusados, em especial o ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, serão condenados, “ao vivo e em cores para todo o Brasil”, a despeito da defesa que possam ter feito e da ausência das provas que, em alguns casos, o Ministério Público não trouxe nos autos. Neste particular, não apenas conta o embanamento dos refletores, mas, igualmente a existência de interesses políticos nessas condenações. De um ou de outro modo, o show não pode parar: na próxima semana, mais um capítulo dessa novela bisonha que é o processo do “Mensalão”. Com José Dirceu e outros no banco dos réus. Aguardemos esse próximo capítulo.