Folhetim em três partes
Desenganado com meu chuveiro, tive uma seqüência de dias ruins, até que o pior deles chegou: o dia cinco. A classe média é obrigada a concordar comigo, não há dia mais triste que o dia cinco de cada mês. Dia de pagar, entre outras coisas, o aluguel. No caixa eletrônico, ao efetuar a escandalosa transferência da minha conta bancária para a conta do proprietário do apartamento que alugo, exibiu-se uma mensagem, uma comunicação verdadeiramente epifânica, que mudou minha vida:
“Confirma transferência de R$ 1800,00 para Lúcio S. Grzybvsky?”.
Não tive reação. Demorei tanto tempo diante da mensagem que ela foi automaticamente substituída por “Operação Cancelada pelo Cliente”. Repeti e cancelei a operação três vezes, apenas para ter certeza de que meus olhos não me traíam. Ao final da terceira tentativa, confirmei a transferência. Então era por isso que o nome no chuveiro me parecia familiar, estava presente em todos os meus recibos de aluguel. Voltei para o escritório a galope. Uma vez em minha sala, fechei a porta com agilidade. Nunca houve problemas com o proprietário do apartamento, embora eu o odeie por comer uma fatia tão grossa do meu bolo de dinheiro. Assim, não telefonava para ele há mais de um ano, quando houve um aumento de trinta por cento no aluguel. Com alguma dificuldade, encontrei seu nome na agenda do celular e disquei do escritório. Ele tinha uma voz rouca e firme.
– Seu Lúcio?
– Sim.
Era um sim intimidador, mas eu precisava ir além.
– Aqui é o locatário do seu apartamento.
– Qual deles?
O velho, então, extorquia mais de um. Prossegui:
– O de Copacabana.
– Qual?
Mais de um pobre coitado só em Copacabana.
– Que vence dia 5, hoje. Mil e oitocentos reais.
Falando em valores, ele prontamente reconheceu. Em tom ainda mais intimidador:
– Há algum problema com o pagamento?
– Não, não, não é nada disso. Ao contrário, acabo de efetuar a transferência.
– Bom.
Acho que ele é militar reformado.
– Estou ligando para falar do chuveiro.
– Algum problema?
– Ao contrário, o banho é excelente. Queria inclusive comprar um igual, para a casa de praia.
Menti. E fui além, tinha de ir:
– O problema é que não encontro em lugar nenhum. Notei que a marca do chuveiro tem o nome do senhor.
– Sim, Gribovit.
Enfim, começava a obter respostas, ainda que elas desvelassem minha alienação quanto às línguas do leste europeu. O senhor Lúcio continuou:
– É um chuveiro antigo, meu pai tinha uma fábrica, que ficou para um primo meu, que conseguiu falir com ela. Um idiota. Desculpa, mas desse aí você não vai encontrar nunca mais.
Recebi a notícia como quem recebe uma bomba pelo Sedex 10. Como se recebesse a notícia do falecimento de um parente próximo. Secamente, agradeci e me despedi. Naquele dia, voltei para casa pensando nela e no chuveiro. Cozinhando as mesmas questões de antes, nas mesmas panelas. Assim, voltamos à premissa inicial, sobre a perpetuação do matrimônio. O amor é incapaz de manter um casamento, mas a comodidade não. Talvez seja uma questão de economia de energia, sei lá.
Ao chegar do trabalho, tomei outro banho demorado. Fiz a mesma coisa no dia seguinte. E no outro. E no outro…