Notas para um comercial de tvs. A cena ocorre em uma gruta. Doze apóstolos e Jesus ao centro. Música de filme exibido apenas na páscoa. Ou no Natal. As religiões nunca se decidem se o mais importante é o nascimento, a morte, ou o que está entre esses dois acontecimentos. Homem de barba e cabelo por fazer, ao centro da mesa, se dirige aos demais, tendo em mãos um croissant e uma garrafa de um vinho super envelhecido:
– Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Este é o cálice da nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós.
Aquele clima de solenidade. Um dos barbudos mastiga o pãozinho e logo o cospe:
– Pô! Tá cru!
Jesus, um messias de traquejos sociais, o repreende:
– É a quarta vez, Pedro! Não sejas petulante!
O apóstolo, nitidamente contrafeito, dá outra dentada no pão. Jesus estende o cálice diante de si. Novamente o clima de solenidade. Luz descendente, música de troço grandioso. Outro homem de barba lhe chega ao pé do ouvido:
– Jota, será que eu posso comer no quarto?
O salvador deita os olhos no apóstolo:
– Não, Judas. Precisamos estar juntos essa noite.
– Então, não me leva a mal, mas é que eu queria ver televisão.
– Não, Judas. Não essa noite.
– Mas Jesus, vai passar um filme que eu queria ver. É a última vez que esse filme vai passar na páscoa… Como a gente não tem televisão na sala, só no quarto, eu pensei que podia comer lá… Olha, agora a gente tá sem grana, mas no futuro as coisas vão melhorar pro cristianismo. É que por enquanto, com uma televisão só, eu queria poder comer vendo filme…
No quarto.
Enérgico e afetado. Jesus se exalta:
– Não! Não vai e pronto! Vai comer aqui! Não tem filme nenhum! Hoje é pra comer aqui!
Os outros apóstolos estão emudecidos. Judas assume uma expressão marota:
– Ah, é? Então me aguarde…
Corta para a cena da crucificação. Jesus, que pregou e foi pregado, de tanguinha na cruz. Plano americano. Encerra em Jesus dizendo:
– Perdoe-os, Pai. Eles não têm Samsung Smart TV Full HD.
Fade out ao som de canto gregoriano insuportável.