Do site da Câmara Municipal de Natal:
“Em sessão ordinária nesta quinta-feira (6), a Câmara Municipal de Natal aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 037/2012, de autoria do vereador Julio Protásio (PSB), que defere o aumento da passagem do transporte coletivo em Natal.
O aumento da passagem de ônibus – de R$ 2,20 para R$ 2,40 – foi regulamentado pela Portaria nº 047/2012, publicada em 27 de agosto. O Projeto de Decreto Legislativo revoga a referida portaria em todos os termos e tem efeito imediato, dependendo apenas da publicação no Diário Oficial do Município para entrar em vigor. O Decreto Legislativo foi aprovado com 17 votos favoráveis e quatro ausências.”[1]
Por outro lado, tanto nos bastidores quanto na imprensa, figuras da Prefeitura Municipal de Natal defendem que o Decreto Legislativo é inválido. O argumento é que invadiria a competência do Poder Executivo e só a este caberia administrar os termos do contrato com os permissionários do transporte público.
Então, como fica a tarifa?
Não tenho a pretensão de responder esse questionamento. Nesse texto, pretendo apenas fazer algumas ponderações que permitam ao leitor formar sua opinião sobre o destino do nosso sofrido transporte público.
Em primeiro lugar, de fato, cabe ao Poder Executivo regular a política tarifária dos serviços públicos, no intuito de manter o equilíbrio entre o interesse econômico privado das empresas permissionárias e o interesse público.
Contudo, me parece que a permissão de serviços de transporte público depende de lei autorizadora. No caso do Município de Natal, é a própria Lei Orgânica do Município[2] que autoriza a delegação dos serviços de transporte público (artigo 124, inciso III).
Então, com que fundamento (jurídico – os fundamentos políticos são evidentes) a CMN busca anular o ato do Poder Executivo?
O artigo 22, inciso XI, da Lei Orgânica faculta à Câmara Municipal sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem de sua competência. Aí é devido perguntar: a Portaria nº 047/2012, famigerado instrumento de aumento das passagens, exorbitou da competência do Poder Executivo? Não sei se a CMN chegou a debater esse ponto.
Na minha humilde opinião, caberia aqui aplicar o disposto no artigo 125 da Lei Orgânica:
“Art. 125 – O Município, na prestação de serviços de transportes público coletivo, fará obedecer aos seguintes princípios básicos:
I – segurança, tratamento digno e conforto aos passageiros, garantindo, em especial, acesso às pessoas portadoras de deficiência física;
II – garantia de gratuidade aos maiores de sessenta e cinco anos;
III – no reajuste de tarifas, a ampla divulgação dos elementos inerentes ao cálculo tarifário;
IV – integração entre sistemas e meios de transportes e racionalização de itinerários;
V – as vias servidas por transportes coletivos tem prioridades para pavimentação e manutenção, em benefícios do benefícios dos veículos e usuários;
VI – proteção ambiental contra a poluição atmosféricas e sonora;
VII – garantia da participação da comunidade, através de suas entidades representativas, na fiscalização dos serviços.”
Me parece que, em virtude dos dispositivos em destaque, o aumento secreto e repentino da tarifa de transporte viola a literalidade da Lei Orgânica. Mas daí a entender que se trata de vício de competência, considerada esta, grosso modo, como habilitação jurídica de um órgão administrativo para praticar determinado ato, é outra história.
De qualquer modo, onde vai agora a Prefeitura?
Se buscar manter a todo custo o aumento da passagem, a PMN, via sua Procuradoria, pode tentar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, visando desconstituir o Decreto Legislativo da CMN. Do ponto de vista político seria uma alternativa interessante, pois passaria parte do desgaste político da medida para o Judiciário e salvaria os nobres edis que votaram o Decreto Legislativo.
Por outro lado, poderiam simplesmente a Prefeitura e as empresas permissionárias ignorar o Decreto Legislativo ao argumento de sua inconstitucionalidade? Licitamente, não. Os agentes administrativos não podem se furtar a cumprir uma lei (e o Decreto Legislativo é, formalmente, lei) ao argumento de ser ela inconstitucional.
Uma alternativa seria um Decreto da Prefeita determinando aos servidores do Município que não cumpram o Decreto Legislativo por ser inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal tem um precedente que admite essa prática.[3] Contudo, esse ato puxaria ainda mais o ônus político do aumento à Prefeitura, além de lhe conferir um ar mais autoritário que o usual.
De qualquer forma, seja o que ocorrer no fim dessa história, me parece que a briga dos Poderes Municipais vai se tornar um pesadelo de Montesquieu