Não é por acaso que o título deste texto tem o nome que tem. Para facilitar a discussão das minúcias do Direito Eleitoral, tão arcano e distante, me parece conveniente sempre vincular as ideias a situações literárias.
Os prefeitos eleitos em 2012 serão os primeiros que passaram pelo crivo integral da festejada Lei da Ficha Limpa. Muitos deles, inclusive, vão substituir grupos políticos e dinastias há décadas no poder em seus Municípios. Políticos com diversos mandatos têm forte tendência a carregar nas costas irregularidades que, antes da Ficha Limpa, passavam desapercebidas ou ignoradas conscientemente pelo eleitor.
Por isso comparo a Geração Ficha Limpa à Geração Coca-Cola de Renato Russo: “Vamos fazer nosso dever de casa / E aí então vocês vão ver / Suas crianças derrubando reis / Fazer comédia no cinema com as suas leis”.
Há um grande potencial de que essa geração de prefeitos seja melhor antenada com a defesa do patrimônio público e a gestão de qualidade. Mas há também a possibilidade de o tiro sair pela culatra: “Depois de 20 anos na escola / Não é difícil aprender / Todas as manhas do seu jogo sujo”.
Muitos dos prefeitos “ficha limpa” poderão criar situações de desespero ao eleitor, seja “sujando a sua ficha” ou não correspondendo às expectativas neles depositadas. Se um passado condizente com a dignidade do cargo é requisito necessário para ser eleito não é por si suficiente a realizar uma boa gestão. A Ficha Limpa, emprestando termos do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, pune o administrador desonesto, não o inábil, embora ambos possam causar danos irreparáveis a um Município e sua população.
Mas a Ficha Limpa pode ter acertado onde não se esperava.
Posso dizer, tendo acompanhado julgamentos do Tribunal Regional Eleitoral do RN sobre a matéria, que a maioria esmagadora das aplicações da Ficha Limpa se deu em virtude do artigo 1o, inciso I, alínea “g”: condenações por Tribunais de Contas em virtude de irregularidades insanáveis que configurem atos de improbidade administrativa.
A Ficha Limpa deu toda uma nova roupagem às consequências das decisões dos Tribunais de Contas que, anteriormente, eram encaradas com desdém por boa parte da classe política. A reprovação de contas pela Corte competente tem grandes chances de enterrar o futuro político de um sujeito por bons oito anos.
Assim, agora, especialmente nas prefeituras do interior do Brasil, haverá indubitavelmente a maior preocupação dos prefeitos com a qualidade da gestão instrumental dos Municípios. Serão evitadas, a meu ver, práticas hoje comuns, como apresentações de cheques sem fundos, dispensas indevidas de licitação e contratações sem concurso público. O crivo rigoroso do TCE, com apoio da Ficha Limpa, inegavelmente contribuirá para um aprimoramento da gestão pública no Brasil.
Agora isso nos leva a outra discussão: os Tribunais de Contas em geral têm composição definida quase que exclusivamente por critérios políticos. A atribuição de tanta força a esses órgãos demanda que tenham suas cúpulas avaliadas por critérios técnicos idôneos, evitando que conveniências politiqueiras venham a cercear direitos políticos de prefeitos honestos e cuidadosos.
Então, agora é perguntar: a Geração Ficha Limpa terá o mesmo destino da Geração Coca-Cola?