O ano era 2003, o mês março… Eu era mais um dos então felizes alunos que haviam passado no vestibular. Lá estava, esmagado, como sempre, por outros tantos colegas que se espremiam dentro do Circular. De longe avistava o setor-2, suas paredes de pedras , suas salas com janelas feitas para lugares onde neva…
Bem, isso faz tempo, hoje as coisas mudaram. A UFRN é uma das poucas universidades que não aderirem a greve das IEs federais. Na verdade, mais parece um eterno canteiro de obras, já que são muitos os investimentos. É, os tempos mudaram, mas algumas coisas em Natal parecem não acompanhar o ritmo das obras da sua Universidade Federal!
Voltando ao meu feliz ingresso no curso de Ciências Sociais da referida instituição, passei algum tempo fascinado, doido pra me envolver com o que pudesse. Logo recebi um convite – aceito, quase que imediatamente – para compor uma chapa do Centro Acadêmico – que na época não tinha o formato de assembleia que tinha até um tempo desses. Se não me engano, infelizmente era chapa única, não tínhamos concorrentes. Atingimos o quórum… Chamávamos a “Ciranda do Acontecer” (risos), tratava-se de um grupo muito diverso, bem intencionado, com alguns de seus membros assumidamente ligados à legendas partidárias e à candidatos a vereador na cidade, mas a maioria de nós não era afeito aos tais partidos.
Portanto havia uma preocupação e um acordo subsequente: não permitir que a estrutura do C.A fosse aparelhada por qualquer grupo partidário. Bem, como era de se esperar nossa ciranda fez alguns movimentos interessantes, outros nem tanto, mas não é dela que quero falar. Lembro-me desse período para dizer como foi através do C.A que o estranho e maravilhoso mundo do Movimento Estudantil se abriu para mim.
Até então eu só havia estudado em escolas particulares, e na última, onde passara sete anos, sempre que ocorria alguma manifestação estudantil a própria diretora ou seus inspetores apareciam nas portas das salas para avisarem que nós não tentássemos descer. Disso se seguia todo um longo discurso sobre “lugar de estudante era na escola”. Bem, fizemos algum barulho dentro, mas a mim nada se comparou com as manifestações que envolveram especialmente os anos de 2003 a 2004. Paramos a BR-101, fizemos cordões humanos na frente do BOPE, ou mesmo do GATE, que no dia 31 de dezembro de 2003, teve seus soldados nos batendo, pouco depois de um distinto vereador, impedido de sair da CMN por manifestantes sentados na saída da garagem da casa, desceu de seu luxuoso carro e puxou um revolver calibre 38 para nós.
Foi um tempo bom do qual guardo um sentimento de nostalgia profunda. Se não conquistamos novos direitos, ao menos conseguimos manter os já conquistados… Por fim, continuamos pagando meia-passagem aos fins de semana…
Foi ali também que conheci os mais variados militantes de legendas partidárias, vi bandeiras das mais diversas cores tremularem, a maioria vermelhas, mas (Pasmem!) algumas azuis. Aos poucos fui me aproximando de alguns desses, deixando de ser chamado de “massa”, passando a ser chamado de “companheiro”. Ambas expressões novecentistas que me dão nos nervos, não mais que outra, que passei a ouvir sobre a minha pessoa, diziam que eu era um “bom quadro” (Hã?).
Junto com isso surgiam diversos convites que se resumem na seguinte frase: “Venha conhecer melhor o nosso partido”. Nunca aceitei nenhum desses convites, mas isso não me impediu de ler seus sites, conversar com seus membros, buscar compreender as mais diversas questões que para mim eram bem novas. Quase me filiei a um partido, um que tem algo de comum com o escudo do Botafogo, até já recebia cumprimentos nos ombros e ouvia frases cochichadas dizendo “Ele tá com a gente”.
Entretanto, tais discursos, convites e batidinhas nos ombros e outras demonstrações de afetos foram gradativamente diminuindo, sendo trocadas por olhares de desconfiança. Já não mais era convidado para algumas reuniões. A culpa era toda minha, eu havia viajado por quase dois anos com diversas pessoas, de diferentes partidos, em congressos, Fóruns Sociais, enfim, visto elas em ação. Como posso ter visto tudo isso e não ter me decidido? Simples, eu me negava a falar em bloco! Não estou dizendo com que não tive meus desejos e afetos comungando com muitos sujeitos partidarizados, pelo contrário, foram muitos os momentos em que isso se deu!
Mas é que eu via grupos distintos, a maioria se dizendo de esquerda, com os dedos em riste uns para os outros. Cada qual apontando os membros de outro grupo de alienado, conservador, pelego (outra palavrinha que tenho ojeriza). Cada qual que dissesse também que seu partido tinha várias correntes, mas no final das contas essa diversidade era silenciada em certos momentos.
Ao perceber certas contradições não assumidas – e que eram bem semelhantes aquelas apontadas como inadmissíveis no outro grupo – e criticá-las, botando a “boca no trombone” mesmo, percebi tentativas de me silenciarem. Claro que isso não se deu apenas comigo, foram tantos outros que não aceitando a adequação a qualquer preço tinham um compromisso de expor determinadas contradições, ainda que doesse no próprio grupo, ou no próprio pulso.
Não há nada de heroico nisso, apenas uma necessidade de expressar o que se pensa, partindo do pressuposto que ninguém é massa, ninguém é quadro, mas sim pessoas, reunidas, afetadas, provocando-se mutuamente, comprometidas sim com a desconstrução do status quo, mas sem a crença idiotizante de que alguém estaria mais capacitado para abrir a cabeça de alguém… Nada mais parecido com o fundamentalismo religioso, ao meu ver… Apenas mudam o vermelho do Cristo Crucificado para o vermelho do Marx endeusado…
E de lá pra cá se passaram nove anos, nesse sentido não vi grandes mudanças. Não deixei de lutar ao lado de alguns colegas e amigos, apenas ganhei o nome de apartidário e até de anarquista… Não sei bem o que querem dizer com isso, mais parece uma tentativa de me encaixar em um grupo, me rotular… Tudo bem, que sejam os outros a fazerem, ainda que eu não goste… Ainda vejo gente querendo saber de que partido sou, alguns voltaram com os antigos convites, tendo as mesmas recusas. Fazer o que? Compreendo que diante das conjunturas muitas vezes não temos escolhas, precisamos jogar o jogo. Mas, compreendo também que esse jogo possui brechas, que podem ser tateadas e, vez por outra, encontradas. São essas brechas que, acredito, nos permitem jogar o jogo, mas não todo ele! E isso não se coaduna com a partidarização…
As legendas partidárias não devem ser ignoradas em sua importância histórica, assim como a conquista do sufrágio universal, da qual muitos militantes partidários (mas não só) lutaram para conquistar. No entanto, como qualquer outra instituição humana, deve ser vista enquanto um construto social e não um dado natural, muito menos divinizado como algo que não pode ser questionado em sua existência e permanência. Entendo que alguns se prendam a esse formato de “fazer política”, pois lutaram muito por um espaço para agora se desprender dele. Apenas seguem o ritmo das lutas que tinham como alvo o comunismo, mas que parava em uma transição – o socialismo – e nunca mais sairam dela.
Veja um tanto de partidos que se dizem de esquerda quanto os que não se assumem de direita, fotos photoshopadas, bocas de urna, e, o pior de tudo, o discurso vanguardista, salvacionista e as falas em bloco. Alguns, mais convictamente de esquerda, irão dizer que não pretendem chegar ao poder, mas expor suas ideias, mexer com a estrutura. Como assim? Fazendo as coisas do mesmo jeito que sempre fizeram? Uns usam da militância de seus candidatos, seu histórico de lutas… Outros o currículo lattes de alguém que é doutor… Todos dizem que trarão mudanças, que seu candidato traz inovações. Todos reproduzem um discurso meritocrático (tão liberal!!) de que seus candidatos são merecedores de crédito, de confiança, potenciais revolucionários… Que mudança efetiva propõe ao usarem dos mesmos discursos – e até algumas práticas – de dois séculos atrás? Que revolução é essa que usa dos mesmos mecanismos e estratégias (de marketing?) de seus opositores?
Não se trata de desilusão ou de ter abandonado qualquer tipo de utopia, apenas não compartilho de muita coisa do que tenho visto. Ainda tenho alguma fé na humanidade, especialmente na sua capacidade de se reinventar, de desconstruir e reconstruir, a partir da percepção de que nenhuma instituição é eterna, ainda que tenha tido grande importância histórica, social e cultural, deve ser questionada em sua base em algum momento.
Os partidos são instituições caducas, em crise, como a maior parte das nossas divinizadas e universalizadas instituições ocidentais: com grande importância histórica, mas estéreis na atualidade. Lembram-me o Batman, capaz de por bandidos nas cadeias em prol da manutenção do mesmo sistema, mantendo desigualdades de classe, e tantas outras… Nessas horas me vejo preferindo o “V”… É hora de implodir, ainda que nos doa, ainda que sem as bombas… Um pouco de amor, por favor!!!