“Todo jogador deveria ver ópera antes de entrar em campo.”
Heleno de Freitas.
Cinebiografia de uma atormentada e polêmica estrela do futebol brasileiro nos anos 40, o filme conta a história de Heleno de Freitas (Rodrigo Santoro), formado em direito e jogador apaixonado pelo seu time, o Botafogo. Estruturado em flashbacks (e em elipses que apenas sugerem o desfecho de algumas cenas), o filme parece se dividir em duas narrativas distintas que se unem vez por outra em interessantes transições. Uma narrativa que mostra o Heleno nos seus últimos dias, internado num sanatório em Barbacena e consumido pela sífilis, e a outra em seus dias de glória, luxo e fúria no Rio de Janeiro dos anos 40. Em ambas narrativas vemos a representação impecável da passagem do tempo graças à maquiagem e pela excelente atuação de Santoro. Atuação que comove tanto nos trejeitos inseguros do enfermo Heleno e, mais especificamente, numa tocante cena em que seu olhar encontra o nosso em seus últimos momentos, mostrando que todo o brilho de outrora não existe mais. “Eu era mais feliz com raiva”, declara o velho Heleno. E é com esta raiva constante em seu passado que o protagonista brilha, brigando com todos, principalmente com seus companheiros de time que não possuem o mesmo caráter intempestivo com que ele demonstra toda a sua paixão pela camisa. Heleno se assemelha a um rockstar ou um poeta maldito em sua trajetória genial e trágica.
A direção de arte do filme acrescenta detalhes que dão veracidade a representação de época, e a fotografia faz uma escolha acertada ao optar pelos tons cinza, dando assim um aspecto de registro de uma época há muito passada. O mural com recortes de jornal da carreira do jogador reforça ainda mais o tom de nostalgia nas primeiras cenas. A cena em si já se mostra como um resumo da trágica ópera que o diretor José Henrique Fonseca pretende nos apresentar. Mas um detalhe chama a atenção: Heleno devora os recortes, simbolizando, talvez, a própria forma ansiosa como devorou sua vida.
Para os fãs de futebol, talvez possa haver uma queixa quanto ao fato de que este esporte não ser tão retratado quanto supostamente deveria ser numa biografia de um jogador. Mas o futebol aqui serve apenas como plano de fundo ao protagonista. Pois, Heleno faz lembrar outras tantas cinebiografias de personagens talentosos, polêmicos e trágicos de vários campos de atuação, seja o esporte, a literatura ou até mesmo a música (em um determinado momento Heleno escreve, numa carta para a mãe, que poderia ter sido um grande pianista).
Com uma narrativa em off inserida de forma equilibrada através das cartas que o protagonista escreve para uma mãe que nunca aparece na projeção, Heleno é, sem sombra de dúvida, um filme que mostra a perfeita harmonia entre direção, música, fotografia, roteiro, montagem e atuação. Por isto, me atrevo a colocar ele entre os filmes brasileiros mais importantes desses últimos anos. Heleno é muito mais do que uma cinebiografia de um jogador de futebol, é acima de tudo, um filme poético, com sua poética exaltada pela maravilhosa fotografia e montagem. E a sequencia final, unida por uma música bela e melancólica faz do desfecho um momento de rara poesia cinematográfica.
“Eu não sou um jogador de futebol. Eu sou a própria vontade de jogar. Eu sou a gana em forma de gente. Eu sou.”
Ps: É lamentável que mais uma vez os cinemas daqui da Natal (RN) perderam uma grande oportunidade por não exibirem um filme com tal importância e qualidade como Heleno. O filme foi lançado recentemente em DVD, e nunca foi exibido nos cinemas locais.
Ficha técnica:
Título original: Heleno (Brasil , 2011 – 116 minutos)
Direção: José Henrique Fonseca
Roteiro: Felipe Bragança, Fernando Castets e José Henrique Fonseca
Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Erom Cordeiro, Angie Cepeda, Othon Bastos, Herson Capri, Orã Figueiredo