Um Destaque Transformador
1 Introdução
Notadamente, a mulher sempre passa a ocupar papel de destaque em todas as funções que antes eram consideradas predominantemente masculinas. Algo que não é nada fácil mesmo considerando as evoluções sociais, pois em nosso país a exclusão de minorias ainda é um hábito.
Contudo, as mulheres não têm descansado em suas trajetórias que culminam com a ocupação de funções públicas, umas de maior destaque, outras de menor, todas, porém, trazendo significativas transformações para o Estado.
No 6º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diversas palestras foram proferidas sobre o tema Mulheres e Segurança Pública, e esse artigo, que dá prosseguimento a outro chamado “As Verdadeiras Guardiãs Mundiais”, pretende fazer uma abordagem sobre a carreira da socióloga Maria Alice Nascimento, atual Diretora Geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, cuja gestão está sendo renovadora e certamente deixará lições para as que virão.
2 Lutando desde o princípio
Em 1984, o General João Baptista de Oliveira Figueiredo era o presidente brasileiro quando Maria Alice Nascimento ingressou na Polícia Rodoviária Federal no primeiro concurso público para mulheres da instituição.
Somente cinco mulheres foram aprovadas, mas somente uma foi chamada, deixando as quatro outras, dentre elas a Diretora Geral, para uma segunda convocação. Foram quase dois anos de espera e a solução encontrada por ela e as outras foi ingressar com uma medida judicial que finalmente garantiu a elas o direito esperado.
Inicialmente lotada em Foz do Iguaçu, ela logo ensejou sua transferência para Curitiba, um grande centro urbano e cultural que poderia lhe proporcionar uma capacitação diferenciada.
Observando que as mulheres somente podiam desempenhar funções internas, ou seja, como secretárias ou assistentes de setores administrativos, a policial se frustrou de um sonho acalentado: ser agente de campo.
A oportunidade de ir para a “pista”, como é chamado o serviço de campo pelos PRFs, surgiu através de um dos cursos internos mais desgastantes da época, o de Batedor Motociclista. Ela se inscreveu e foi autorizada a participar do curso.
3 Recompensa Merecida
Segundo as palavras emocionadas dela: “Para mim, foi muito mais do que um curso, foi minha carta de alforria para poder trabalhar como policial na pista e também provar que as mulheres tinham as mesmas condições que os homens na PRF”.
E ela conseguiu provar isso para todo o Brasil por se tornar a primeira batedora motociclista feminina, nao só na Polícia Rodoviária Federal, mas a primeira também dentre todas as policias na época. Um feito inovador que a tornou um exemplo nacional e internacional, sendo matéria de diversas revistas da época, inclusive capa da revista “Panorama” de fevereiro 1987, mas ganhando magnitude na Veja 968 de março do mesmo ano, conquistando fãs que escreviam para ela de diversos países do mundo.
Trabalhando em diversas unidades da federação como Coxim/MS, Maceió/AL, Brasília/DF e Boa Vista/RR antes de retornar para Curitiba, a policial Maria Alice voltou ao setor administrativo, dessa vez chefiando em diversas áreas, dentre elas Ética e Disciplina e Assessoria de Gabinete do Diretor Geral até se tornar a primeira mulher a ser Superintendente Regional do DPRF.
4 Da Superintendência Regional para o DPRF
Desafiada a conduzir a Superintendência Regional da PRF no Paraná, a Inspetora Maria Alice não se intimidou e com força de uma mulher inteligente ela administrou aquela regional durante cinco anos.
Foi uma gestão marcada por batalhas com as quais ela já se acostumara e apenas agregou ao currículo dela uma vasta experiência profissional.
O diferencial do modelo administrativo dela sem dúvida foi a implantação de uma gestão fundamentada em critérios técnicos, estabelecendo metas, buscando indicadores, criando formas de avaliação de desempenho e de resultados.
Bastou um ano daquele modelo de gestão para que a Superintendência do Paraná obtivesse 70% de crescimento nos critérios avaliativos nacionais tornando-a uma das que mais davam resultados em todas nossas delegacias.
Tal índice foi muito observado e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou que a PRF reassumisse o controle de 3,4 mil quilômetros de rodovias federais do Paraná que há 30 anos estavam sob os cuidados do Batalhão de Polícia Rodoviária da PM.
A Operação Gralha Azul foi então deflagrada e a Superintendente Maria Alice teve que lidar com um reforço de 55% de seu efetivo com policiais de outras regionais do Brasil, num trabalho de sucesso que hoje é feito em caráter normal.
O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, ao assumir a cargo, visitou vários estados, e um dos gabinetes visitados foi a da Superintendente Maria Alice no Paraná. Ele esteve lá juntamente com outra mulher de destaque nacional, a Secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, e ambos puderam ver de perto o modelo de gestão aplicada e os resultados obtidos, algo que deixou o Ministro entusiasmado.
Poucos meses após a visita do Ministro e da Secretária Nacional, um novo desafio em forma de convite para ser Diretora-Geral do DPRF/MJ. Segundo a própria Diretora Geral, o formato da solicitação feita a ela era simples: “O pedido que o Ministro me fez foi para que eu aplicasse o mesmo modelo de gestão que eu vinha usando em todo o Brasil”.
Não resta dúvida da responsabilidade enorme e da tarefa difícil de dirigir uma Instituição tão complexa e tão abrangente. Isso implicaria em profundas mudanças em cada regional, iniciando com cargos de chefia em praticamente todo o território nacional, mas dessa vez, com base em critérios técnicos e não mais devido a indicações políticas, como era o costume.
Somente com o apoio do Ministro e da Presidenta essa forma de administrar poderia acontecer, relata a Diretora Geral, e que como isso existiu, já foram operadas mudanças estratégicas em 24 unidades da federação.
5 A Difícil Arte de Recriar
Num mundo globalizado com as empresas buscando a excelência na qualidade de seus produtos ou serviços, uma instituição de segurança pública também precisa se atualizar. Como uma gestora hábil, a Diretora Geral iniciou seu primeiro ano administrando o DPRF promovendo vários projetos de reestruturação.
O planejamento estratégico, que não existia na Policia Rodoviária Federal, passou a ser uma realidade e norteará todas as ações operacionais, administrativas e de inteligência. A Inspetora Maria Alice entende que a instituição que ela dirige, devido a sua complexidade, precisa estar bem direcionada com ações definidas e um plano estratégico, tornando-se destarte, mais eficiente em seus resultados.
Isso tudo vem de uma necessidade de recriar a maneira de realizar o policiamento rodoviário federal. A PRF deixou de ser uma policia meramente executora que muitas vezes trabalhava de uma forma imediatista, apenas reagindo ao chamado atual, sendo agora impulsionada pelo planejamento que visa alcançar metas, adotando um comportamento muito mais preventivo e proativo.
6 Responsabilidade Social
Evidentemente que a socióloga Maria Alice não poderia ser insensível ao direcionamento da capacitação de seu efetivo, entretanto, utilizando a ferramenta do ensino como meio de nutrir uma maior sensibilidade no policial, capaz de perceber sua responsabilidade social, ou seja, de entender o papel da PRF perante a sociedade e o que essa sociedade anseia da PRF.
Com este sentido arraigado, o policial deve se conduzir dentro de uma postura de mantenedor, protetor e zelador dos direitos humanos e humanitários dos cidadãos brasileiros.
Essa vertente social está presente no DPRF em projetos que estão funcionando há mais de 10 anos, dentre eles, o mapeamento das rodovias federais onde ocorrem casos de exploração sexual e infantil, ações de combate ao trabalho escravo, trafico de seres humanos, etc.
“Precisamos, contudo, fazer com que essas ações deixem de ser isoladas, em uma região ou outra, e passemos tê-la como atividade cotidiana nas fiscalizações dos agentes de polícia rodoviária federal” – Ela afirma com segurança de quem já pratica aquilo que diz ao investir ainda mais em ações, que aliadas ao serviço de inteligência, tornam-se rotinas operacionais diárias que consolidam a Polícia Rodoviária Federal como uma verdadeira Policia Cidadã.
Gerar um senso de responsabilidade social é um desafio, afinal, conciliar uma polícia com caráter ostensivo muito grande numa polícia com agentes também capazes de serem conciliadores e apaziguadores, demanda trabalhar valores intrínsecos e até mesmo com o “ethos” policial, que vem de um histórico mais autoritário, repressivo e ostensivo.
7 Mulher e Segurança Pública
A mulher, pelo histórico social no qual foi inserida, teve condições de desenvolver uma maior sensibilidade, que hoje corrobora para fomentar ações de Segurança Pública voltadas para as questões sociais e dos direitos humanos.
A Diretora Geral do DPRF, Inspetora Maria Alice, possui ideias que coadunam com as do artigo “As Verdadeiras Guardiãs Mundiais” e, portanto, para as considerações finais sobre a Mulher e Segurança, é interessante a leitura integral de suas próprias palavras:
Na Segurança Pública atual a mulher gera muita diferença devido as suas características femininas de mãe e protetora, com suas experiências e uma visão menos territorial e mais holística.
Autoridade, para mim e para muitas de nós, mulheres, é sinônimo de responsabilidade e não de autoritarismo e vaidade pessoal, como geralmente ocorre, infelizmente, no agir masculino, embora essa afirmação advenha de uma avaliação bem genérica que ainda precise de uma análise social mais profunda.
O lado feminino possui facilidade de motivar parcerias com outros órgãos para um trabalho integrado e com uma visão sistêmica, pois todos fazem parte deste grande ser vivo que se chama Sociedade.
Com nossa perspicácia e nossa de forma sutil, conseguimos unir outros órgãos e instituições sem nos preocuparmos com quem estará no comando. Para nós o que importa é o trabalho em conjunto, a integração das Forças e os resultados que serão obtidos para a sociedade, o que para mim, que me desculpem os homens, é uma capacidade muito genuína das mulheres e que apresentam resultados muito mais eficazes.
Para todas as mulheres, fica uma exortação para que busquem o preparo equilibrado entre o cognitivo e emocional com vistas a assumirem cargos de comando, pois eles demandam muita dedicação e empenho, e como sabem, ainda temos que trabalhar dobrado, para provar diariamente do que somos capazes.
Nossas virtudes inatas, como sensibilidade, intuição, perspicácia e sutileza, sejam bem utilizadas e aliadas ao equilíbrio de conhecimento e controle emocional, seremos muito eficientes em qualquer área de trabalho, e prontas para sempre aceitar novos desafios.
REFERÊNCIAS
MILLARCH, Aramis. As patrulheiras rodoviárias. Tabloide Digital. Disponível em: http://www.millarch.org/artigo/patrulheiras-rodoviarias Acesso em: 10 jul. 2012.
Entrevista pessoal com a Diretora Geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal concedida durante suas férias em julho de 2012
Dados digitalizados da Revista Veja nº 968 de 25 de Março de 1987 disponíveis em http://db.tt/QvaBfLLH
Revista em Quadrinho: Alice a Patrulheira disponível em arquivo próprio para leitura de quadrinhos digitalizados. Disponíveis em http://db.tt/ikeOUW4w
Matéria sobre os quadrinhos Alice a Patrulheira. Disponível em http://db.tt/nmmiQVdK
HERMES, Ivenio. As Verdadeiras Guardiãs Mundiais. As Detentoras da Arte de Proteger e Servir. Disponível no Fórum Brasileiro de Segurança Pública em: < http://www2.forumseguranca.org.br/content/verdadeiras-guardi%C3%A3s-mundiais> e no Blog do Ivenio em <http://www.iveniohermes.com/?p=91> Acesso em: 10 jul. 2012.