Quando o mundo ficou sobressaltado com o anuncio da chegada do homem ao planeta Marte, dois amigos estavam na mesa de um bar na área boêmia de Petrópolis tomando cerveja e comendo um petisco de filé com fritas. Róbson, funcionário da previdência estadual, ocupava um cargo de médio escalão na estrutura da repartição, o que lhe rendia um salário suficiente para sentar naquele barzinho elegante uma vez por semana, morar num bairro de classe média, assinar a Tribuna do Norte e trocar de carro a cada quatro anos; Fernando, seu colega de trabalho, trazia na carteira algumas notas de R$ 20,00 e três cartões de crédito com datas de vencimentos diferentes, com os quais fazia um malabarismo financeiro para desfrutar dos mesmos pequenos luxos do sujeito com quem compartilhava uma cerveja e o tira-gosto mais barato do cardápio chique.
A transmissão ao vivo do momento em que o astronauta pousava seus pés em Marte era o assunto do momento, e, por evidente, estava na pauta daquela reunião de duas pessoas numa sexta-feira depois do expediente.
Sem demora Fernando abriu os trabalhos dizendo:
– E essa notícia do homem em Marte, Róbson? Que coisa, não?
Róbson entornava um gole na cerveja enquanto o colega puxava o assunto. Ao ouvi-lo, arqueou as sobrancelhas, demonstrando sua animação com a pergunta; era como se estivesse há dias esperando-a tão somente para dar sua opinião abalizada na mesa do bar, o ambiente onde seu intelecto dava sinais de vida. Só que para fazê-lo tinha que ser provocado; afinal não queria dar a impressão de que queria demonstrar seu conhecimento por pedantismo. Aguardaria a pergunta de alguém, e o momento havia chegado.
Para fazer algum charme, não respondeu logo. Pôs o copo na mesa, enxugou os lábios com a língua, sacou um palito e puxou para dentro da boca um pedaço de filé. Fez sinal com a mão para que Fernando esperasse enquanto mastigava para não aparentar que era mal educado por falar com a boca cheia. Mas a etiqueta de Róbson sucumbiu à sua vontade de falar e, mesmo com a boca ainda cheia e o cenho franzido, disse:
– Você acredita nisso, Fernando?
Fernando, que apenas se limitava a observar os acontecimentos sem meter seu bedelho em nenhum deles, pretendeu maiores esclarecimentos:
– E porque não acreditaria?
Já tendo engolido o filé, Róbson abriu um sorriso meio sarcástico e expôs suas razões:
– Ainda não me convenceram de que o homem pode chegar a Marte. É muito longe, Fernando! Ademais, qual o interesse que o homem tem de gastar tanto dinheiro para ir tão distante?
– Sei lá. Desbravar o universo?
– Ora, deixe de ser ingênuo, rapaz! Será que você não percebe que isso é para enganar trouxas? Não se sabe nem se o homem chegou até a Lua, quanto mais em Marte.
– Mas nós já fomos até a Lua, Róbson. As imagens estão aí para quem quiser ver. Os próprios astronautas dizem que…
– Pois eu não acredito nem nisso, se você quer saber! É muito fácil fazer uma montagem com imagens para enganar os bestas. Por que você acha que existe Hollywood? Eles fizeram isso porque os russos chegaram ao espaço primeiro, e para não ficar para trás na Guerra Fria inventaram essa história de ter pisado na Lua.
A menção à Guerra Fria deu credibilidade ao argumento e fez despertar em Fernando a seguinte pergunta:
– Como você sabe disso?
– Ora, eu só raciocinei um pouco – respondeu Róbson com muita convicção.
Dizendo isto, Róbson pegou seu copo com ar de superioridade e deu mais um gole generoso na cerveja até acabar. Pegando na garrafa e percebendo-a vazia, pediu ao garçom mais uma apenas com um gesto aristocrático. Depois continuou:
– Amigo, não devemos acreditar muito nessas coisas. Eu pelo menos não acredito.
Fernando desconfiou da sapiência exagerada do amigo e perguntou:
– Diga a verdade, Róbson: onde você viu que o homem não pisou na Lua?
Aparentemente ofendido com a pergunta, Róbson respondeu:
– Em canto nenhum, Fernando. Eu que estou dizendo. Aliás, acho pouco provável achar isso em algum livro ou jornal. Essas coisas não são noticiadas. Por isso nem adianta procurar.
– De fato. Se isso for verdade eles jamais deixariam sair na imprensa.
– E então! Por isso que leio essas notícias com certa reserva. As do dia-a-dia da política, esporte e cultura dá para confiar, mas com essas coisas espetaculosas eu fico cabreiro. Por isso que não acredito nem que o homem chegou à Lua, e muito menos agora em Marte.
A cerveja chegou e Róbson serviu-se com vagar, esbanjando elegância para o amigo ignorante que estava na sua frente explorando seu ceticismo e perspicácia. Seus gestos afetados contrastavam com a barba por fazer e a forma desajeitada como se postava na cadeira. Depois de um átimo de silêncio, arrematou:
– Veja, Fernando, só para encerrar esse assunto: se o homem não conhece nem as profundezas dos oceanos, como é que vai para lugares tão distantes do espaço?
Fernando já notando a afetação do amigo, provocou:
– E quem te disse que o homem não conhece as profundezas dos oceanos, Róbson?
Sem perder a pose, e empunhando um palitinho com uma batata-frita espetada, Róbson arrematou:
– Eu sei que não, Fernando. Pode acreditar no que lhe digo. Ainda não nasceu o homem que vai me engabelar.
E colocou para dentro aquela batatinha já amolecida pelo tempo que ficou abandonada na mesa, pingando o ponto final no debate do qual julgava ter saído vencedor com seu intelecto superior.