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Pessoas Privadas de Sua Liberdade

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A Questão da Detenção Policial

1 Considerações Iniciais

O Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes esteve no Brasil e elaborou um relatório que foi entregue às autoridades brasileiras e permaneceu sigiloso conforme o estipulado no artigo 16(2) do OPCAT – Protocolo Adicional à Convenção contra a Tortura.

Um dos aspectos abordados foi a situação das pessoas privadas de liberdade, que é uma preocupação internacional, pois no Brasil há indícios de desrespeitos aos direitos fundamentais que se insinuam desde o momento da detenção até o encarceramento definitivo.

Nesse texto, será observada a questão da detenção provisória feita em estabelecimentos policiais, a detenção policial, que remeterá o leitor para outras formas de privação de liberdade e como está a situação atual de nosso país.

2 Generalidades

2.1 Direitos dos detentos de informarem e serem informados

Casos de pessoas privadas de liberdade que no momento de sua detenção pela polícia não receberam a devida informação sobre seus direitos foram pauta para uma mudança no comportamento dos profissionais de segurança pública.

Uma detenção que não dê ao detido as informações sobre seus direitos é uma detenção arbitrária, indicativa de tortura psicológica e maus-tratos.

Como se não bastasse, casos de impedimento de informar, por longos períodos de tempo sobre sua própria detenção foram recorrentes. Notificar alguém de sua escolha, sobre sua própria condição e local de detenção, deve ser feita imediatamente após sua detenção inicial ou prisão. Esse direito também é assegurado para quem é transferido de um centro de detenção para outro.

O ideal, é que essa notificação deve ser feita por telefone, com a data e hora, bem como a identidade da pessoa notificada, devidamente registradas, mesmo que, por razões de segurança, a informação se dê logo após a transferência.

O direito de quem é privado de liberdade, de informar uma pessoa, de sua escolha, sobre sua detenção representa uma salvaguarda básica contra a tortura e os maus-tratos1.

2.2 Direito à assistência legal

Um detento deve ter direito à assistência jurídica de sua escolha, desde o momento inicial da efetivação da sua privação de liberdade.

Nas entrevistas policiais costumeiras tem havido uma tendência ao relato de lesões por parte dos detidos, talvez isso ocorra pela ausência de um representante jurídico independente, que segundo recomendação do SPT, deve estar presente e assistir o detento em todas as entrevistas policiais. Além disso, esse representante exerceria uma função preventiva e facilitaria uma defesa em caso de maus-tratos.

Essa opção por um representante deve ser de amplo conhecimento do detido, pode ser providenciado gratuitamente pelo Estado, sendo assegurado esse direito em toda a duração dos procedimentos criminais.

Tal direito pode e deve – nos casos dos detidos sem condições financeiras para constituir defensores – ser exercido através da Defensoria Pública, a qual, porém, por sua insipiente estrutura, não exerce bem essa função.

2.3 Categorias de detentos

Um dos grandes desrespeitos observados foi a manutenção em instalações policiais de presos provisórios juntamente com pessoas que já tinham sido sentenciadas e, portanto, deveriam ser colocadas em outro ambiente, pois cumpriam pena em regime fechado ou semiaberto, feito para prisioneiros condenados.

Há uma enorme diferença entre alguém acusado de um crime e uma pessoa cuja sentença já transitou em julgado, ou seja, foi condenada por algum crime. Fazer distinção entre esses grupos de pessoas é ditado e assegurado pelo direito internacional.

É essencial que o Estado garanta a real separação entre presos provisórios (inclusive aqueles sob custódia) e presos sentenciados.

Estabelecimentos policiais não foram feitos para pessoas condenadas, que não devem ser mantidas juntamente com provisórios e devem ser transferidos para locais apropriados.

2.4 Duração da Detenção Policial

A detenção policial necessita ser reduzida ao mínimo. Pessoas que estavam sendo mantidas em delegacias por longos períodos de tempo foram encontradas pelos representantes do SPT. No Brasil acontecem casos extremos como:

Períodos de detenção maiores que um ano;
Pessoas já sentenciadas ainda permaneciam em delegacias;
Detentos aguardando julgamento por tempo muito prolongado.

É obrigação das autoridades competentes tomar medidas para transferir pessoas detidas por prolongados períodos de tempo em instituições policiais para locais apropriados para sua situação. As instalações policiais não devem ser usadas para deter pessoas por períodos prolongados de tempo.

No Rio Grande do Norte, por exemplo, o Estatuto da Polícia Civil fixa o prazo da realização do inquérito policial como tempo máximo para manutenção do preso provisório em cárcere que não integra o sistema penitenciário, o que importa em dez dias no caso de crime comum e no máximo trinta dias nos crimes hediondos. Além disso, se o inquérito policial termina antes do prazo máximo, também se impõe a transferência do preso para unidades do sistema penitenciário.

2.5 Profissionais de segurança pública

Dois pontos conhecidos do cidadão brasileiro foram mencionados no relatório do SPT referente aos profissionais de segurança pública: efetivo insuficiente e corrupção.

Nesse aspecto a Polinter Grajaú foi flagrada sob o controle de uma milícia local. Uma situação assim atinge uma ferida aberta na nossa sociedade, como pode haver um descontrole tão grande que chegue a esse ponto?

O alerta feito por especialistas em segurança pública, gestores e profissionais da mídia encontraram eco na recomendação do SPT, pugnando pela alocação de verba suficiente para:

Pagamento de salários dignos que mantenham os agentes motivados em sua profissão;
Treinamento em técnicas atuais de investigação forense;
Treinamento apropriado sobre a abordagem de direitos humanos;
Implantação de mecanismos internos de monitoramento para garantir a atuação dos policiais de acordo com padrões internacionais de direitos humanos.

Em hipótese alguma permitir que gangues ou outros grupos tenham autoridade sobre as instituições policiais, inclusive criando políticas internas de investigação e punição adequadas a quem permitir que isso aconteça.

 

3 Condições da detenção

3.1 Superlotação

A superlotação nem precisaria constar no relatório4 do SPT como exortação para que as autoridades brasileiras tomassem providências, mas a comissão procurou observar esse tipo de situação. Mais uma vez a Polinter Grajaú foi objeto de estudo de caso, contudo, não sendo diferente de centenas de casos no país.

Partindo de fontes confiáveis (vale lembrar a situação de controle pela milícia), um caso grave foi reportado:

A cela 14, de aproximadamente 7m², foi utilizada para reter uma quantidade extrema de pessoas enquanto aguardavam suas transferências para a prisão provisória Ary Franco, onde diversos presos morreram asfixiados.

O SPT considera que submeter detentos a situações de superlotação extrema constitui uma forma severa de maus-tratos2”.

De acordo com os Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas AméricasPrincípios Interamericanos3, o Estado deve adotar medidas céleres para evitar casos de superlotação em níveis extremos e desumanos como observados no Brasil.

Existem parâmetros internacionais mínimos de espaço para cada detento. Aliás, a Lei de Execução Penal brasileira fixa em 6,00m² (seis metros quadrados) a área mínima para cada condenado em unidade celular (Lei 7.210/84, art. 88, parágrafo único, alínea b).

3.2 Condições materiais

Condições precárias de instalações foram muito relatadas mesmo tendo havido renovações de algumas instituições policiais com carceragem:

Infiltrações, umidade e vazamentos;
Falta de higiene básica e ventilação;
Precariedade ou inexistência de instalações sanitárias;
Inadequação ou inexistência de leitos;
Inacessibilidade a exercícios físicos ou ar fresco, e;
Precariedade ou privação de água e comida.

Foram recomendadas providências urgentes no intuito de resolver esses problemas. O Estado deve garantir condições adequadas ao exigido pelos padrões internacionais.

As pessoas privadas de liberdade devem estar em ambientes que reúnam condições de saneamento e limpeza, alojamento, alimentação, acesso a água e possibilidade de exercício físico. Aquelas em detenção policial por mais de 24 horas devem ter acesso mínimo a uma hora de exercício por dia ao ar livre.

3.3 Tortura e maus-tratos

As grandes vilãs apontadas nesse item foram as polícias civis e militares, não escusando outras entidades de segurança pública, é claro.

Nada informado parece novidade para o brasileiro, mas as alegações vieram de fontes consistentes e diversas, maculando mais ainda a imagem da segurança pública nacional no âmbito mundial.

A pior parte talvez seja saber que os maus tratos aconteceram não somente durante o período de detenção, mas no momento da prisão, nas ruas, no interior de residências, ou ainda em locais ermos.

Esses foram assim descritos:

Violência velada através de ameaças psicológicas;
Chutes e socos na cabeça e no corpo;
Golpes desferidos com cassetetes e objetos semelhantes;
Asfixia por meio de saco plástico na sua cabeça;
Choques elétricos, e;
Posições desconfortáveis por tempos prolongados.

Os espancamentos e torturas não se restringiram somente aos adultos. Crianças e adolescentes foram submetidas a esse tipo de tratamento no momento da prisão e durante a custódia policial. Elas sofreram abusos que incluíam tapas, chutes e socos em todas as partes do corpo. “Uma prisioneira relatou que tinha sido estuprada por dois policiais no período em que esteve sob custódia policial.”

Os maus-tratos foram usados sob a seguinte justificativa:

Como meio de punição prévia por preconceito;
Para extrair confissões, e;
Como meio de extorsão.

Foi relatado o caso de um detento que ficou custodiado pela polícia civil por dois dias em uma cela suja, com cerca 8m² e mais 20 ocupantes, e ainda privado de alimentação e água. Quando os detentos reclamavam e pediam comida e água, eram espancados.

Existiram também relatos casos de espancamentos durante transferências, incluindo superlotação de veículos e detenção prolongada nas viaturas e ainda o tratamento discriminatório para detidos que necessitavam de proteção especial (os chamados “seguros”). Em uma instituição visitada, o SPT descobriu os “seguros” estavam em condições muito inferiores a dos demais detentos e eram, segundo alegaram, submetidos a espancamentos frequentes.

Ainda que tais alegações muitas vezes não sejam verdadeiras, o que a experiência demonstra, um só caso existente (e com certeza se trata de situação que muitas vezes ocorre) já mostra a necessidade de investigação e punição, além de trabalho de conscientização dos policiais para mudar a situação.

 

4 Considerações Finais

Não haveria necessidade das orientações, ou menos ainda da vinda, do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ao Brasil, para alertar nossas autoridades desse problema já amplamente difundido até em filmes e livros.

Entretanto, continua havendo falta de investimento que objetive reverter completamente esse quadro da realidade nacional. E isso ocorre não somente nas detenções, como também nos outros regimes de privação de liberdade.

As autoridades brasileiras estão sendo instadas para que sejam firmes em acabar com a impunidade nos casos de tortura e maus-tratos. Dentre as medidas exigidas até mesmo pela sociedade, estão incluídas investigações céleres, imparciais e independentes.

Está na hora da segurança pública virar essa triste página de sua história.

REFERÊNCIAS

1 CAT/C/GC/2, parágrafo 13, Body of Principles, princípio l6(l).
2 Incluindo o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotada pela resolução 34/169 da AGNU.
3 Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas (“Princípios Interamericanos”), OEA/Ser/L/V/II.131 doc.26), princípio XVII.
4 SUBCOMITÊ DE PREVENÇÃO DA TORTURA. Relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes: Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Brasília: Organização Das Nações Unidas, 2012.

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Consultor Especial deste artigo:

Exmo. Sr. Juiz de Direito, Henrique Baltazar Vilar dos Santos, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária.