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Um Gonzagão centenário

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Meio do ano, junho, julho, chuva, milho, São João. Eis a combinação perfeita para fazer a alegria de toda uma região, o nosso bravo Nordeste. Os festejos juninos são aguardados com ansiedade pelos que tiveram a ventura de nascer neste recanto ou de fazer dele seu lar adotivo. O forró, o antigo forró de pé de serra é o fundo musical que embala os sorrisos, orações e o trepidar das fogueiras acendidas em honra de São João e São Pedro. Sim, é o forró que dá o toque alegre e a vivacidade musical, unindo o som da sanfona, do triângulo e da zabumba com a poesia que tantos mestres criaram para louvar nossa realidade e nossos sofrimentos mais sem nome.

Foi através dele que um certo Luiz Gonzaga, pernambucano do Exu, tocador de sanfona e poeta, apresentou o Nordeste para o resto do Brasil. Hoje, próximo de chegar ao centenário no dia 13 de dezembro, Gonzagão contempla do céu a maravilha que é a sua obra que desafia o tempo com seu vigor e sua longevidade, beijando a face da eternidade com todo carinho.

Não faltam adjetivos para ilustrar o que este home realizou. Magnífico. Exuberante. Impressionante. Emocionante. Mas e ele, o que diria o próprio autor sobre o imenso legado que preserva seu nome nos letreiros desta terra? Creio que seria algo assim:

 

“Eu vou mostrar pra vocês, como se dança o baião, e quem quiser aprender é favor prestar atenção”.

 

E não só prestamos atenção, como aprendemos e aplaudimos vivamente a obra do velho Lua. Seus versos simples carregam em cada sílaba a marca da sinceridade, da realidade triste ou alegre, sempre com uma lição a ser aprendida ou relembrada.

Saindo do seu torrão, Gonzagão ganhou o mundo, sabendo que a caminhada era tortuosa, ou, como ele diria, a légua era tirana:

 

“Oh, que estrada mais comprida, oh que légua tão tirana. Ai se eu tivesse asa, inda hoje eu via Ana”.

 

E realmente ele criou asa para encontrar a sua Ana. Aliás, criou asas. Duas. A Asa Branca, o hino do nordestino que sofre com a seca. A Volta da Asa Branca, o hino do retirante que regressa ao lar no primeiro soar do trovão anunciando a chuva.

 

“Já faz três noites

Que pro norte relampeia

A asa branca

Ouvindo o ronco do trovão

Já bateu asas

E voltou pro meu sertão

Ai, ai eu vou me embora

Vou cuidar da prantação”

 

Sábio Gonzagão! Sabia perfeitamente que a esperança vem do céu…

Uma chuva e nada mais. É o que basta para fazer a felicidade do sertanejo, retratado com tanta fidelidade pelo mestre Luiz Gonzaga. Nada de glamourizar o sofrimento dele. Nada de usá-lo como escada para o sucesso. Apenas mostrá-lo como ele é: um homem às voltas com sua terra, sua gente, suas tradições e seus valores. Temente a Deus; apegado ao seu chão, que mesmo esturricado pela seca, é o seu chão; fiel às suas tradições. Eis o homem de Luiz Gonzaga. Eis o próprio Luiz Gonzaga! Eis o que ele diria, ou melhor, o que ele disse em meio aos toques de sua sanfona, ecoando as Vozes da Seca:

 

Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage

Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage

Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão

Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!

Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão

Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos

 

É mais do que música. É um recado, um recado de quem conhece, de quem se conhece e diz ao mundo o que é o homem do seu Nordeste. Nem pior nem melhor do que os outros. Com seus defeitos e virtudes, mas é ele; o homem que chora, que planta e dança; que pula fogueira e reza para seus santos. É o homem de Luiz Gonzaga. É o homem Luiz Gonzaga, centenário, nordestino, retirante e Rei do Baião.

Viva Luiz Gonzaga!