Do Dnonline
O que o senhor, enquanto estudioso das questões de gênero e sexualidades, achou da criação de um banheiro unissex no Departamento de Artes da UFRN?
É uma iniciativa interessante, embora não seja uma novidade. Em muitas partes, no mundo, existem banheiros que são de uso comum por homens e mulheres. Mas são banheiros unissex individualizados, não coletivos, o que pode se tornar impraticável, se é que não já é em sua estrutura.
Como justificar a existência de um banheiro para ambos os sexos?
A criação, na UFRN, foi uma resposta a um ato de discriminação praticado contra um transexual que procurava utilizar o banheiro feminino. Um funcionário da segurança do prédio teria alertado o transexual que não poderia usar o banheiro destinado às mulheres. De fato, um ato de violência simbólica que é comum ocorrer no nosso país, por força da ideologia de gênero a que todos nós somos submetidos na educação que recebemos. O banheiro unissex coletivo terá seu efeito simbólico e pedagógico para o questionamento a fronteiras de gênero socialmente construídas e que podem, ao menos no nível simbólico, ser problematizadas. Na vida cotidiana, não creio que um banheiro unissex coletivo surta o efeito esperado. Homens e mulheres, independente de suas opções sexuais e construções de gênero, têm corpos com anatomias e fisiologias diferentes e culturalmente produzidos nessa diferença e esse não é um fato que se pode desprezar na hora do uso do banheiro. Já um banheiro unissex individualizado é uma alternativa que me parece mais viável.
Ninguém vai ficar constrangido de usar o banheiro?
O banheiro unissex coletivo pode produzir constrangimentos, em razão de fatos que não são simples: homens e mulheres, independente de suas opções sexuais e construções de gênero, têm corpos com anatomias e fisiologias distintas, não sendo o caso de imaginar que utilizam o banheiro da mesma maneira. São questões práticas (mas da construção cultural humana também!) que não se pode deixar de pensar quando se imagine o banheiro unissex coletivo. Diferentemente, volto a repetir, é a experiência do unissex individualizado: um usuário de cada vez, homem ou mulher, lésbica, gay, travesti, heterossexual, com pênis ou vagina, que terá a seu dispor um banheiro equipado com diversos equipamentos.
Por que se polemizou o assunto na UFRN, se há esse uso em outros locais?
É que, no caso da UFRN, o banheiro é coletivo unissex, com os problemas que apontei. Nos diversos locais que se têm banheiros unissex, eles são individualizados: homens e mulheres utilizam o mesmo banheiro, mas um de cada vez. Isso é muito mais prático e cumpre a mesma função simbólica do questionamento das fronteiras de gênero. Um outro problema no caso da UFRN, é que a novidade pode vir a se tornar o contrário de sua pretensão: ao invés de ser algo emancipatório, como pretende, pode vir a se tornar algo profundamente conservador e servir ao controle ideológico e moral. Pode vir a se tornar o banheiro de travestis e transexuais ou de homossexuais cuja identidade com o feminino é mais forte, levando-os a pensar queo “terceiro banheiro” é o que lhes é apropriado. Uma conversão perigosa, reificadora da ideia ideológica segundo a qual os seres humanos estão divididos por espécies sexuais distintas, cada uma devendo ter o seu banheiro. De fato, a subversão está nos banheiros únicos, equipados para homens e mulheres utilizarem, cada um a cada vez, com uma única identificação na porta: banheiro.