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Publicidade para trouxas

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Sinceramente, não consigo admitir a existência de tanta propaganda governamental na mídia. É um tal de alardear feitos que, em verdade, são as mais simples obrigações, mas que ficam parecendo atos beneméritos de grande inspiração e elevado desapego da parte do boníssimo gestor.

 

Confesso que me sinto um imbecil vendo aquilo; é como se o governo pensasse que eu acredito nessas coisas que veicula, e isso me ofende muito.

Quando não é isso, temos sempre a logomarca da administração aparecendo em vários lugares, com a finalidade de quê eu também não sei, pois não significa absolutamente nada, a não ser que alguém está recebendo dinheiro para mostrá-la.

Nessa hora vêm os bons juristas apressados a dizer: ah!, mas isso é o salutar cumprimento do princípio constitucional da publicidade, a fim de dar aos cidadãos a oportunidade de saber o que tem sido feito com o dinheiro público. Gargalho com grande satisfação, fazendo, entretanto, um mea culpa de bacharel que sou, dizendo que nada como o velho formalismo jurídico para encapar com uma peça da mais nobre seda os atos imorais e inauditos. Por evidente, e antes que comecem a jogar algumas imerecidas pedras, sei que o princípio da publicidade também serve de fundamento para a transparência no proceder com as demais coisas púbicas – mesmo em tempos de atos secretos do Senado.

Ora, se o princípio da publicidade justifica o marketing do óbvio, deveria servir também para alardear o que não está sendo feito. Só que os próprios governos usam desse princípio para esconder as omissões e ilegalidades.

Do seguinte modo: pagam felpudas verbas publicitárias às empresas de mídia para alardear os pequenos e prosaicos feitos, e, ao mesmo tempo, estas, reféns da boquinha, escondem sobre grossa camada de cinzas vulcânicas os malfeitos. Ou seja, na posse dos governantes e das empresas de mídia, o princípio da publicidade serve muito bem aos propósitos engabeladores, sempre a ludibriar o espectador ávido por diversão e ilusões.

Ilusões. É isso que a mídia vende, é isso que o espectador quer, e é isso que prontamente os governos têm a oferecer entre musiquinhas ritmadas e imagens digitais de obras e serviços que funcionam para inglês ver. Há motivo para revolta? Que nada! As ilusões estão aí para quem quiser acreditar nelas, seja nas novelas, programas de auditório, propagandas do governo ou princípios jurídicos. Tem para todos os gostos, classes sociais e intelectuais. No fim de tudo o que importa é saber a medida da fantasia que atinge cada um.

Quer acreditar que a pavimentação da sua rua é um tapete? As imagens lhe darão fundamento para tanto. Prefere crer que o serviço de saúde sempre tem médicos e remédios a qualquer hora do dia ou da noite? Os ótimos atores dos anúncios lhe darão essa certeza. Você é mais sofisticado e prefere render loas à eficácia de um princípio jurídico? Mais fácil ainda! É só vestir terno e gravata, caprichar no vocabulário e aplaudir, elegantemente, a propaganda institucional veiculada no horário nobre como um exemplo de transparência e democracia. Afinal de contas é para isso que serve a publicidade: engabelar desde o analfabeto que está no cabo da enxada até o jurista mais culto.

Por fim, me insurjo contra o bombardeio publicitário dos governos porque simplesmente não gosto de ter a impressão de que o Estado está ao nosso redor, trabalhando ou não, como a nos dizer diuturnamente “Big Brother is watching you”, em sua sanha de se agigantar e controlar nossas vidas, ou “Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”, nos chamando de idiotas e dizendo que o que existe não é a realidade que vemos nas ruas, e sim as maravilhas que aparecem nas teletelas(*) , ops!, na mídia.

(*) Monitores instalados nas residências da Oceania, país imaginário criado por George Orwell no livro 1984, para que o “Big Brother” vigie os cidadãos o tempo todo.