Diferente do que dizem os doutos analistas políticos que posam de profetas do óbvio ao compararem toda e qualquer CPI a uma pizzaria, ouso remar contra esta maré profético-culinária para fazer minha comparação com outro evento.
Sim, o atrevimento chegou aqui e parou, de modo que não ligo se vão me crucificar por não ficar nesse costume ancestral de sentar à mesa para aguardar o garçom parlamentar servir a pizza quentinha com bordas recheadas de doce de marmelo. Prefiro esperar por outra coisa.
Aliás, sem querer já dei o mote da comparação que pretendo fazer neste surto de rebeldia. Antes, porém, vamos aos fatos, que por serem conhecidos de todos, vão breves, brevíssimos, como assim foram as palavras do mais ilustre personagem da trama que ora me meto a comentar.
Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Congresso Nacional é uma das paixões deste país, e não é para menos. Adoramos um espetáculo gratuito de humor e palavras vazias proferidas de dedo em riste, não para inglês ver, mas para nossos olhos fugirem um pouco do trabalho sob a nobre justificativa de que estamos interessados na investigação dos desmandos que atolam o Brasilzão. Assim, sempre que rola uma CPI, o horário do trabalho fica partido entre o almoço e o fim do expediente por uma transmissão ao vivo da TV Senado do depoimento de algum figurão enrolado com as falcatruas já conhecidas.
Isto, claro, quando o dito cujo que está sob a luz dos holofotes vem para dizer algo impactante, o que não foi o caso do personagem central do espetáculo desta nova CPI que anima o país, o nosso velho conhecido Carlinhos Cachoeira.
O referido cidadão frustrou nossas expectativas de uma forma jamais vista, deixando mudos não só os seus próprios lábios ante à nação perplexa, mas também os nossos, que aguardavam ansiosos por revelações bombásticas que nos animariam a despejar, aos gritos, a culpa pelos males do mundo nas costas de algum Judas.
Ocorre que o Cachoeira não tem vocação para pizzaiolo, e sim para Cristo. Oh!, não se surpreenda, leitor amigo, pois não é à pessoa divina de Nosso Senhor Jesus Cristo de que falo, de modo que não estou a cometer nenhum sacrilégio. Quero compará-lo a Jesus somente naquele momento dramático em que Ele carregou a cruz no Calvário rumo à crucificação a que me referi lá em cima, apenas com uma pequena diferença.
Ora, vejam se não tenho razão para fazê-la, com as ressalvas já apontadas.
O Carlinhos Cachoeira era esperado na CPI justamente para ser o quê? Crucificado! Daí porque ele levou uma cruz para ser pregado nela, da mesma forma como fez Jesus no dia da sua crucificação. Assim, ele, com a cruz nas costas, adentrou no salão da CPI e passou a percorrer a Via Sacra, açoitado impiedosamente pelas perguntas dos parlamentares sem dar um gemidozinho sequer, provocando a fúria dos carrascos que aumentavam a intensidade dos golpes.
Chegando ao cume do Monte Calvário, a cruz foi colocada em posição para receber seu corpo supliciado para a morte. Mas diferente do Cristo, que aceitou o sacrifício, o nosso Carlinhos Cachoeira saiu caladinho e deixou a cruz vazia, conseguindo com o seu Pôncio Pilatos ali presente a crucificação de outro que não ele. Esse alguém não é ninguém menos do que a própria CPI, que, agonizante sob os pregos da cruz, aguarda a morte e a miraculosa ressurreição ao terceiro dia, não mais ao cheiro de pizza, mas ao som de um brinde do melhor espumante que pode ser servido no presídio da Papuda onde Cachoeira sorri por trás das grades.
Que Deus obre mais esse milagre – e me absolva desta inocente comparação.