Primórdios
Com o auxílio de um dicionário, é possível definir como substância entorpecente qualquer composto (químico ou vegetal) ou matéria que cause letargia, inércia, torpor. Essa concepção pode ser usada de forma generalizada, ou seja, se causar um desses sintomas é droga.
Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua droga como qualquer substância, natural ou sintética que, sendo introduzida no organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas funções.
Há várias interpretações para o termo droga, mas para o senso comum é a designação ideal para uma substância proibida, ilegal e nociva, que afeta o ser humano podendo alterar suas funções orgânicas, suas sensações, seu humor e seu comportamento.
Para a OMS, drogas são substâncias químicas que produzem alterações dos sentidos e ela entende que a intoxicação química por substâncias psicoativas é uma doença e que a compulsão por usar drogas deve ser tratada como transtornos mentais e comportamentais.
Fato Histórico
Contudo, as substâncias entorpecentes são legais ou não, dependendo da legislação vigente em cada país, em cada época, de acordo com as aceitações sociais. Elas são consumidas pela humanidade desde tempos remotos, como podemos citar sucintamente os povos pré-colombianos que usavam a coca como remédio e os romanos que consumiam ópio em festas.
Historicamente, um bom exemplo de variação na legislação, que ora proíbe ora permite o uso de entorpecentes, foi a que ocorreu nos EUA, na década de 20 em relação a bebida alcoólica. Nessa ocasião, devido a um movimento de fundo religioso denominado “temperança”, as bebidas alcoólicas se tornaram ilegais.
Essa proibição teve uma ação incrivelmente reversa, e logo, a bebida começou a ser fabricada, distribuída, comercializada e consumida à sombra da lei. Apesar do período considerado curto (apenas 13 anos – terminou em 1933), o tempo de ilegalidade total do álcool foi suficiente para estimular o surgimento do comércio ilícito. Uma máfia se estabeleceu para sustentar esse comércio e distribuição, configurando um grande exemplo de narcotráfico que foi revestido de glamour por Hollywood.
Essa máfia americana, exatamente como acontece em nossos dias em muitos países, potencializou o contrabando, o aumento meteórico dos homicídios, a falta de controle sobre a qualidade do álcool consumido, a corrupção de todo sistema jurídico e estatal e a matança de policiais.
A Legislação
Os legisladores ao redor do mundo tem se posicionado preponderantemente a favor de normas menos punitivas e mais educativas que sirvam de base para mudanças, entretanto que não comprometa a segurança jurídica. Anteriormente, encarava-se o delinquente como um inimigo da sociedade e não como um cidadão a ser ressocializado. Porém, por ser dinâmico e estar em constante evolução, uma vez que os valores sociais se modificam ao longo do tempo, o direito e, por reflexo a legislação, já começa a vislumbrar possíveis alterações no contexto do uso de substâncias entorpecentes.
Atualmente, com o reconhecimento dos direitos humanos e direitos fundamentais em âmbito global e com sua a consequente incorporação nas Constituições de diversos países, o aspecto garantidor do Direito se sobressaiu, restando à seara penal, somente a tutela de bens jurídicos mais relevantes.
A literatura mundial majoritária considera o ato de consumir drogas como sendo de cunho privado, portanto essa atitude não seria lesiva para a coletividade. O Direito Penal deve respeitar o livre arbítrio e a vontade intima, bem como a vida privada individual e, em conformidade ao princípio da intervenção mínima, proteger apenas a integridade social.
É através dessa ótica que o consumo de drogas passou a ser vista como um problema de saúde e o usuário como vítima, e não como um vilão da sociedade. E sob tal explicação é que se vem fundamentando a tendência do mundo contemporâneo à descriminalização do uso de entorpecentes.
Preocupação Atual
Hoje, há uma preocupação muito grande em diferenciar usuários e traficantes, sendo direcionado para os primeiros o anseio social em recuperá-los do vício e para o segundo grupo a imposição dos rigores da legislação. As leis relacionadas aos narcotraficantes, embora estejam se inclinando para maior brandura, estão sendo aplicadas com severidade, contudo isso não tem contribuído para a diminuição do tráfico.
Diferentes países agora adotam uma atitude pouco convencional. Eles possuem algum tipo de lei descriminalizando o uso de drogas e, um dos pioneiros, a Holanda, há décadas acabou com a conduta criminosa do consumo de drogas e até permitiu a venda de maconha em lojas comuns como os cafés (coffee shops).
Outra experiência exitosa, que já tem mais de dez anos, é a portuguesa. Em 2001, Portugal adotou uma legislação ousada que descriminalizou o uso de todas as drogas, mantendo apenas o tráfico como ilegal.
Com isso, nossos patrícios inteligentemente respeitaram vários tratados internacionais dos quais seu país é signatário, continuando assim a manter a proibição do tráfico de drogas, mas permitindo o uso.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 10 de outubro de 2010, João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência do Ministério da Saúde português explicou que com a implantação da lei “houve uma diminuição no uso de qualquer droga no grupo das pessoas mais jovens, diminuição da população prisional e recorde de procura pelos serviços de tratamento”.
As legislações de vários países buscam uma postura semelhante no tocante aos procedimentos adotados com os usuários (note que não se referem aos traficantes), como a Alemanha também na Europa, e na América Latina, a Argentina, Uruguai, Chile, México, Venezuela, Colômbia, Costa Rica e o Brasil.
Propensão Mundial
Com essa propensão mundial, sobrevêm manifestações públicas, marchas ao ar livre, surgem publicações oportunistas de livros que somente falam dos prós e mitigam os contras, e, dessa maneira, muitas pessoas entram na febre sem muita convicção.
Os pontos positivos são inegáveis. É tranquilo afirmar que todo o dinheiro, tempo e material humano que seria usado para a repressão aos usuários de drogas, passariam a ter outra destinação com a implantação das leis de descriminalização de uso. Essa verba poderia ser realocada, por exemplo, para o tratamento dos dependentes químicos e para campanhas educativas de prevenção.
A grande confusão que se sucede nas argumentações versa sobre quais seriam as substância que teriam seu uso descriminalizado, como o Estado teria que se preparar para essa nova fase na sociedade, como criar leis para evitar o tráfico, pois o consumo passaria a ser lícito e, portanto o produto continuaria a ser demandado.
O Brasil
É evidente que o Brasil, assim como o restante da América Latina, ainda está caminhando devagar no equacionamento desse problema de segurança pública, ou seria de saúde? Ou ambos?
Na tentativa de fazer uma mudança de pensamento quanto à descriminalização do uso de drogas, muitas iniciativas pró-legalização da maconha estão ganhando força na Europa, nos EUA e até aqui mesmo no Brasil.
Com as premissas basilares de reduzir a violência causada pelo tráfico, controlar os danos à saúde e taxar a substância para gerar receita aos governos, a exemplo do que já ocorre com o álcool e o tabaco, a tendência mundial da descriminalização do uso de substâncias entorpecentes cresce diariamente.
Mas será que esses argumentos são totalmente sustentáveis. A resposta se altera de acordo com a realidade de cada país, sua formação social e suas legislações norteadoras. Podemos incluir também a formação étnica, as diferenças entre as classes sociais, o tipo de policiamento ao qual se está habituado.
Por causa das diferenças de cada país, esse debate precisa ser mais suscitado com fundamento em estudos sociais, antropológicos, psicológicos, criminais, jurídicos, de segurança pública etc.
Há necessidade de que todo cidadão brasileiro procure entender mais sobre o assunto para pode situar-se diante das diferentes opiniões. O Estado também precisa ter uma participação mais ativa nesse processo. Ele deve convocar mentes hábeis e desprovidas de preconceitos para que, juntamente com a população, alcancem uma solução que seja aplicável à realidade brasileira.
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