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Webfolhetim: Marginal – Final

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Por  Eduardo Moura

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FINAL

As coisas estavam progredindo no galpão. O Bola só não conseguiu um carro, um Opala vinho. Tudo bem, o Macarrão me garantiu que o coroa nunca tirava o Opala da garagem mesmo. O Macarrão, aliás, não parava de me ligar. Estava ansioso, queria que as coisas acontecessem logo. O Macarrão é burro pra cacete, mas tem disposição. Eu até precisava de gente com disposição para a parte operacional, mas não o Macarrão. No dia do assalto ele tinha que estar de folga, ou ia azedar o cu da ema. Se uma coroa reconhecesse o Macarrão e a polícia chegasse até ele, o viado entregava todo mundo. Eu precisava de gente com disposição, mas com profissionalismo, com espírito de equipe. Mas não podia ser ninguém muito inteligente, pra não ficar de olho na minha grana. Tinha as pessoas certas em mente. Liguei pro Comandante.

Imagem: puuikibeach

– André? Sou eu. Seguinte, compadre, preciso de oito caras. Podendo escolher eu queria que fosse você mais sete. Não, é tranqüilo, coisa leve. Queria que você participasse justamente pra segurar o ânimo da garotada. É coisa de pegar leve mesmo. Você sabe melhor do que ninguém, Comandante, PM é foda.

O André não grila fácil, eu podia falar assim com ele, abertamente, numa boa. Ele ainda chorou, disse que era difícil mexer na escala de sete homens do batalhão pra todo mundo folgar junto, mas era tudo conversa. Ele é o comandante, porra. Fechei em quinhentas pratas pra cada cabo, mil e quinhentas pra ele. PM tem que ser mal pago se a gente quiser que eles trabalhem bem, porque o grosso do salário é comissão. Sem contar que eles iam tirar uma grana por fora, enchendo o bolso de dinheiro antes de trazer tudo pro galpão. PM é mais filho da puta que bandido, mas é o preço do profissionalismo.

Depois, quando dei mais detalhes pro André, ele cresceu o olho, prometi dar uma fatia mais gorda pra ele e mais os carros roubados. Em troca, ele sofisticou as coisas, arrumou um outro cara pra clonar os carros, fazer umas placas frias, coisa fina mesmo. Como eu disse, filha da putice tremenda, mas altamente profissional.

Pedi pro Macarrão passar pra Gina os dias que ele estava de folga. Disse a ele que ia ligar antes, que ele ia participar com a gente do assalto. Mentira, foi só pra ele não me encher mais o saco mesmo. Escolhemos uma terça-feira em que ele não trabalhava e eu não avisei porra nenhuma. O irmão do Serginho já estava me aporrinhando a paciência por causa do galpão, mas foda-se, ele não ia conseguir alugar aquela merda tão cedo. Fiquei lá por vinte e cinco dias e seis mil reais estava muito bem pago. Liberei o filho do Cléber e não tinha mais papo nenhum com o Bola.

Na madrugada anterior ao assalto, encontrei com o André e os sete cabos da PM aqui no galpão. Trocamos as placas dos carros antes que eles levassem para abastecer. Um dos caras foi de carona com o Comandante, já que tinha um carro a menos, por conta do Opala vinho que o Bola não encontrou. Do posto de gasolina foi todo mundo pro Leblon. Esse sujeito que foi no carro com o Comandante ficou na esquina do prédio, de olheiro, com o Nextel na mão. A cada carro que saía da garagem ele avisava. Às dez e quinze da manhã a garagem estava vazia. A partir daí, a cada dez minutos, entrava um carro nosso. Quando enchemos a garagem, o Comandante levou seus homens encapuzados para os corredores do prédio e começou a saquear os apartamentos silenciosamente. O cara do outro lado da rua ficava de olho. Eu fiquei aguardando no galpão. Uma ansiedade do caralho, cheguei a fumar um baseado, coisa que não fazia há anos, pra ver se conseguia descontrair. Não adiantou.

O Comandante era esperto. Começou rendendo o porteiro, trancou o paraíba na mala de um dos carros. Daí foi até o último andar e entrou de apartamento em apartamento, de cima pra baixo, enchendo a burra de dinheiro e jóias. Falei com ele pra não perder tempo roubando aparelho de DVD que custa cem pratas nas Lojas Americanas. O trabalho era pra levantar uma grana violenta mesmo. De vez em quando ele tinha que barbarizar, dar tapa na cara, puxar cabelo e tal, mas normalmente a velha-guarda entregava as coisas facilmente.

Encheram os carros de bagulho, a gente estava falando em milhões, em viagem pra Europa, cocaína, piranha de luxo, a porra toda. Antes de sair, o comandante mandou um rádio pro olheiro e pediu pra ele entrar no prédio. Quando ele entrou, o Comandante explicou que não era justo que ele levasse a mesma grana que todo mundo, praticamente sem ter corrido risco. Então botou o olheiro pra dirigir um dos carros e voltou de carona com um outro PM. O combinado era que eles dessem uma distância uns dos outros e voltassem pro galpão.

Eu fiquei numa ansiedade do caralho mesmo. Quase uma hora para os putos chegarem do Leblon. Até que o primeiro carro encostou aqui, era o do tal do olheiro. Abri a porta, ele entrou e começamos a mexer nas coisas: colar de pérola, brinco de ouro, anel de rubi, dólar, euro, real… E era só o primeiro carro! Mas o tempo foi passando e nada dos outros chegarem.

– Porra, tem certeza de que ninguém viu vocês saindo prédio?

– Certeza!

O olheiro falou. Especialidade de olheiro não é falar. Alguma coisa estava errada, ainda não sabia o que. Até que alguém bateu na porta de ferro com uma violência desproporcional:

– Polícia, abre a porta!

Na hora, pensei que era o Comandante fazendo uma brincadeira de mau gosto e fui realmente abrir. Só que o sujeito do outro lado deu um tiro na tranca antes que eu me aproximasse, então percebi que não era uma brincadeira.

– Merda.

Pensei. Talvez eu até tenha dito, mas o olheiro não ouviu, já tinha se tacado debaixo do carro quando ouviu o tiro. Especialidade de olheiro também não é ouvir. Eu corri para os fundos da loja, ainda deu tempo de ver uns homens fardados vindo atrás de mim. Havia uma sala, que um dia foi o escritório do irmão do Serginho, nos fundos do estabelecimento. Entrei e tranquei a porta. Lá dentro eu tinha deixado meus pertences, uma malinha que a Gina arrumou pra mim pessoalmente: laptop, uma muda de roupa, carteira, celular, chave, dinheiro, documentos e um estojo com uma pistola, que eu só usaria em último caso. Antes que os caras chegassem na porta, lembrei de mandar um rádio pro Comandante:

– André, que porra é essa? Que porra é essa, André?

Do outro lado, uma voz se identificou, mas sem necessidade, porque eu reconheceria essa voz até no inferno:

– Aqui é o Macarrão.

Filho da puta.

– A pistola!

Pensei. Corri até a mala, revirei as roupas, abri o estojo e estava lá: um revólver vermelho, de plástico e com um adesivo da Estrela.

Puta que pariu.

O Macarrão é burro pra cacete, mas tem disposição. Tenho que reconhecer. Um sujeito tem que ter disposição.