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O agrave da justiça na greve dos rodoviários

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Por Dayvson Moura
(@dayvsoon)

 

Imagem: podpad

De antemão, faz-se necessário explicitar que nada tenho a ver com as forças em litígio, e que, muito embora defenda um posicionamento pessoal (e até um pouco radical) no incentivo à desobediência civil diante da falência da democracia representativa, escrevo como um cidadão desconfiado acerca dos rumos da Greve dos Trabalhadores Rodoviários de Natal.

É preciso, antes de tudo, dar um pequeno pulo no começo do mês e lembrar que os empresários do ramo de transportes urbanos de Natal, por seu sindicato – SETURN, protocolaram um pedido judicial, com antecipação de tutela (pedido de urgência para aplicação dos efeitos antes do julgamento), que tinha por objetivo principal o AUMENTO DAS PASSAGENS DE ÔNIBUS VIA JUDICIÁRIO.

Falharam.

A alegação do SETURN foi uma das mais incríveis que já pude ler em processos judiciais:

1)      Afirmaram que foram FORÇADOS a implantarem a integração temporal, conhecida popularmente como “passe livre”, em que o usuário de transporte coletivo por ônibus tem a faculdade de, utilizando – se de um único bilhete, e desde que dentro de certo período de tempo, realizar uma segunda viagem, em uma segunda linha de ônibus, sem custo adicional;

2)      Que o pedido de Tutela Antecipada devia-se a conhecida demora nos trâmites processuais do Poder Judiciário e que ensejaria um lapso temporal INSUPORTÁVEL ao SETURN… Peço perdão, não consigo conter meus risos neste desespero dos Pobres Empresários…

Que alguém teria que arcar com os custos do Passe Livre (nomenclatura que me causa ascos por sua tentativa frustrada de associação ao MPL – Movimento Passe Livre) é indiscutível, entretanto por que somente depois do decurso de 03 anos o SETURN recorre à via judicial com pedido de urgência para recuperar os supostos prejuízos financeiros pós-instalação da Portaria nº 080/2009-STTU/GS?

A ação precária supracitada deve ser marcada aqui como ponto de questionamento futuro.

Em outro pulo histórico, houve uma tentativa por parte dos cargos em comissão da Prefeitura de Natal a tentativa de emplacar uma hashtag denominada #VetaoAumentoMicarla. Nem preciso dizer em qual hashtag foi inspirada essa piada municipal. Explico:

Somente o Poder Executivo Municipal pode determinar o aumento da tarifa de transportes coletivos de Natal. Essa concentração de poder nas mãos de um bom gestor forçaria ao SETURN adequar-se às vontades do Poder Público em face os desejos imperativos e incessantes de lucro imediato dos empresários do ramo de transporte.

Contudo, Micarla ordenou aos seus asseclas que se utilizassem do Twitter para expressar que a Prefeita de Natal não concorda com a atitude do aumento das passagens de ônibus, como também, não realizará qualquer tipo de reajuste, pois seu acordo com o SETURN foi para o aumento somente em 2013. E que o próximo gestor assumirá o ônus disto sem poder reclamar. Em efeitos práticos, ninguém levou à sério a TAG e o movimento morreu.

O ponto-chave desse retorno cronológico deve-se ao fato da súbita paralisação TOTAL dos Transportes Públicos que há 03 dias incomodam toda população de Natal e vêm trazendo prejuízos e transtornos para todos (ou quase todos) cidadãos natalenses.

Não vou aqui avaliar o mérito da Greve. É justa? Sim, em seu mérito, SIM! E deve ser encarada sempre assim, se você for defensor da luta constante do proletariado contra a classe dominante burguesa. E não, não o é! Porque acaba por gerar prejuízos a pessoas que dependem do sistema público de transporte e que necessitam trabalhar e/ou estudar – argumento geralmente utilizado para justificativa contra as greves sob a óptica do capital.

O cerne deste texto está em outra Antecipação de Tutela… A liminar do SETURN no 21° Tribunal Regional do Trabalho. (SE ALGUÉM CONSEGUIR O NÚMERO DO PROCESSO, ESTARÁ AJUDANDO MUITO A TRANSPARÊNCIA DO JUDICIÁRIO)

Longe de desacreditar o Poder Judiciário do RN (sem sarcasmo), é deveras estranho que um magistrado conceda uma liminar com uma obrigação de fazer, da qual EXIGE que o Sindicado dos Trabalhadores Rodoviários – SINTRO, trabalhe nos horários de pico com 70% da frota à disposição da sociedade.

Isto é muito, muito, mas muito longe da realidade do Direito Constitucional acerca do Direito de Greve.

1. CONCEITOS DE GREVE

A conceituação clássica jurídica é de que greve é um ato social que ocorre no momento em que o Estado descumpre a sua obrigação social. O conceito de greve está sujeito a cada ordenamento jurídico. Importante frisar que só será considerado um direito ou uma liberdade, se a sociedade admiti-la. Não obstante, se a sociedade rejeitá-la, será considerado um ato delituoso, passível de punição. Por este motivo, muitos juristas entendem:

Greve é toda interrupção de trabalho, de caráter temporário, motivada por reivindicações suscetíveis de beneficiar todos ou parte do pessoal e que é apoiada por um grupo suficientemente representativo da opinião obreira. DURAND (apud MARTINS, 2001:28)

2. É LEGAL A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO?

O texto original do art. 37, inc. VII da Constituição de 1988 assegurou aos servidores públicos o direito de greve, a ser exercido nos termos de lei complementar. A Emenda Constitucional 19/98 abrandou a exigência para lei ordinária. Nem a lei complementar nem a ordinária foram elaboradas desde a data de publicação da E.C. de 98.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte:

(…)

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

Segundo a Lei 7.783/1989, a Greve é legítima quando houver elementos, tais como, a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao empregador (art. 2º). Seu efeito é a ocorrência da suspensão da relação de trabalho, que se solidifica na não obrigatoriedade da prestação de serviços nem da contrapartida pecuniária.

3. DECISÃO LIMINAR DE 70% DE CIRCULAÇÃO DA FROTA EM HORÁRIO DE PICO

Os “interessados no término da greve” defendem que o movimento grevista é ilegal porque a população não foi previamente comunicada, com a devida antecedência. O que não é verdade, pois desde a Sexta-feira (11) é conhecimento geral, vinculado em todas as concessões de TV, que haveria paralisação. Conforme o artigo 13 da Lei nº. 7.783 /89 há necessidade de antecedência mínima de 72 horas.

Além disto, a decisão, em caráter liminar, exigiu a circulação de 70% da frota. Ora, baseado em quê, se a porcentagem obrigatória é de 30% em termos de serviços essenciais? O mais estranho, também, está em saber que (aparentemente) o SINTRO decidiu nem entrar com recurso ao pedido, tão quanto cumprir a determinação.

Neste ponto, é importante frisar que os elementos que abarcam a legitimidade do movimento, com apoio da sociedade, tornam-se distantes e dissolúveis.

Porém, não é tudo:

4. OS TRIBUNAIS JULGAM AS GREVES DOS SERVIDORES?

Ao contrário do que ocorre nas greves da iniciativa privada, os tribunais não irão julgar diretamente as reivindicações dos servidores em greve.

Como não há poder normativo para os servidores públicos. Os tribunais, quando provocados, só poderão decidir sobre:

a)      A abusividade ou não da greve;

b)      O pagamento ou não dos dias de paralisação;

c)       A imposição ou não de regime de greve mais severo que o da Lei, “de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de órgão competente”;

d)      As medidas cautelares incidentes.

5. AS GREVES DOS SERVIDORES PODEM SER JULGADAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO?

NÃO. A separação de competência é harmônica à da Lei 7.701/88, donde prevê que é competência dos tribunais superior e regionais do trabalho a atuação nas greves da iniciativa privada. Porém, em entendimento recente, o STF estabeleceu que a JUSTIÇA COMUM, Estadual,  é quem detém a competente para julgar tais paralisações do serviço público.

REFLEXÕES FINAIS

 – A quem interessa a greve TOTAL dos trabalhadores rodoviários Municipais?

– Por que o SINTRO não está dialogando com a população e fornecendo “CATRACA LIVRE”, já que o intuito é provocar prejuízo aos empresários, caso não atendam suas reivindicações?

– Por que não há número público do processo SETURN x SINTRO?

– Por que a Promotoria do Trabalho está tão interessada na punição dos sindicalistas sem levar em conta o mérito da categoria que foi diversas vezes ludibriada pelo interesse capital dos empresários? 

– Por que a Prefeitura está inserida nesse debate, uma vez que as relações de trabalho são de competência entre empregador (SETURN) e empregado (SINTRO)?

– E por último, por que não há identificação dos “vândalos” por parte das autoridades policiais ou dos próprios sindicalistas e motoristas, uma vez que, se fazem parte do sindicato, possuem registro e, (acredito) postura proativa dentro das atividades sindicais, logo, sendo fácil de identificação?

Quero acreditar que a luta do SINTRO não é um golpe travestido e financiado pelos interesses do SETURN + Prefeitura de Natal para um possível aumento da tarifa de ônibus via judiciário. Quero acreditar que a Prefeitura não será obrigada a aumentar as passagens alegando acordo coletivo, via judiciário, com o SETURN que terá seu objetivo (início do texto) alcançado e o SINTRO tendo que se contentar com promessas dos empresários.

De certo, é fato que toda sociedade perde… melhor, já está perdendo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, Gustavo Henrique Pinheiro de. Direito Administrativo. São Paulo: Barros, Fischer & Associados, 2006. – (Para aprender Direito).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21 ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. – (Coleção Saraiva de legislação).

CARVALHO, Ricardo Motta Vaz de. Greve no serviço público. São Paulo: América Jurídica, 2005.

DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos servidores públicos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.