Paulo Afonso Linhares
(Professor da UERN)
Sobre o fundamental papel da imprensa na democracias,Thomas Jefferson, um dos pais da pátria norte-americana e o seu terceiro presidente, deixou como reflexão, mais poética do que política, a seguinte assertiva:”Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção.” Bonito, sem dúvida. Tanto que, sempre que possível, é enorme a tentação de citá-la.
Embora proprietário da bela propriedade de Monticello, no Estado da Virgínia, Jefferson jamais foi um fazendeiro rude, a exemplo da maioria dos chamados Founding Fathers (os “Pais Fundadores” da nação norte-americana): na condição de principal autor da Declaração de Independência (Filadélfia, 1776) daquele país, Jefferson foi um dos mais influentes presidentes e firme defensor dos ideais republicanos nos Estados Unidos nos Estados Unidos da América e conhecido por sua vigorosa formação intelectual, como leitor das obras de John Locke e do Barão de Montesquieu. Por isto, custa a crer fosse um ingênuo político ao preferir “jornais sem governo” a “governo sem jornais”. Governos sem jornais (livres) já vimos inúmeros, ditaduras e tiranias de várias extrações. Imagino, porém, como seriam jornais sem governo: uma utopia anarquista? Pode ser.
Vivesse hoje, decerto Jefferson pensaria um pouco diferente. É que um dos grandes dilemas das sociedades contemporâneas não deixa de ser o enorme poder das mídias e o seu papel na formatação dos perfis sociais e institucionais, sobretudo quando, descoladas de preceitos éticos, essas mídias assumem feições que não condizem com a lógica republicana e democrática. E passam a exercer sobre os cidadãos uma irresistível tirania: a simples menção que vincule o nome de alguém a fatos reprováveis ou considerados como criminosos, soa como uma condenação prévia sem remissão possível; as pessoas jogadas na berlinda midiática, na maioria das vezes, não têm direito ao contraditório nem à ampla defesa. Infelizmente, quanto mais escandalosa e dilacerante for a exposição de alguém, mais os veículos de comunicação adquirem status e poder, numa perversa inversão de valores. Afigura-se, assim, como um juízo implacável; algo repudiado pelos jurisconsultos da velha Roma ao argumento de que um juízo supremo traduz suprema injustiça (Summum ius, summa iniuria).
Imposição de limites jurídicos, como a velhíssima Lei de Imprensa tornada ineficaz por decisão do Supremo Tribunal Federal, tem mostrado-se ineficaz. Claro, cabe aos veículos midiáticos respeitar direitos fundamentais chantados na Constituição, em respeito à imagem, honra e intimidade das pessoas, em contraponto ao direito de liberdade de imprensa, também de matriz constitucional. O que importa é construir, nas sociedades da informação, padrões éticos que balizem a atuação das mídias sociais, afastando delas a atuação como juízos implacáveis, infalíveis e, sem dúvida, apressados; cabe-lhes, aliás, tornar efetivos os direitos à informação e à comunicação, dos cidadãos. Com efeito, numa visão bem contemporânea, os veículos de comunicação têm um dever de informar conforme a verdade.
É preciso haver uma afirmação do esforço harmonizante desse dever-direito de informação e comunicação com o respeito aos direitos fundamentais à intimidade, honra e imagem, na busca de um equilíbrio entre estas instâncias valorativas. O que contribui para tornar obsoletos tanto a defunta Lei de Imprensa quanto os métodos truculentos de alguns capitães da imprensa do tipo Assis Chateaubriand ou William Randolph Hearst, sobretudo para os padrões impostos pelo Estado Democrático de Direito, nos dias atuas.