Por Ivenio Hermes*
1 Quando a noite cai
Fato evidenciado pelas notícias dos jornais e boletins de ocorrências policiais, a maior parte dos crimes contra a vida acontecem no período noturno. É durante a escuridão da noite, onde a maior parte da população está dormindo, que os criminosos aproveitam para a prática do homicídio, estupros, assaltos à mão armada e até brigas oriundas de rixas e guerras de gangues ou grupos criminosos rivais.
A luz do dia cede lugar para a iluminação noturna, que por ser escassa, oportuniza o anonimato para aqueles que intentam agir fora dos parâmetros estabelecidos pelas leis, provocando naqueles que precisam trabalhar, estudar e se locomover nessas horas, o medo e a insegurança para realizarem suas atividades.
Diante desse quadro, a presença do Estado através da prestação de serviço policial é extremamente necessária, mas quando esse serviço é deficiente, toda a sociedade sofre as graves consequências.
2 Os perigos da noite
Há muito tempo a noite deixou de ser atrativa para as pessoas. A parcela dos trabalhadores que exerce sua atividade durante a noite, o estudantes, os religiosos que frequentam seus cultos nesse horário, enfim, todos que em razão de suas atividades estão nas ruas nas horas escuras, vivem a mercê de uma sensação de medo.
2.1 A atividade criminosa
O tempo dos criminosos ingênuos se perdeu na literatura policial.
Amparados pelos recursos modernos, aqueles que atentam contra a vida e contra a incolumidade física dos outros, agem com um grau de sofisticação elevado e o requinte de suas ações apresenta uma dificuldade a mais para a investigação policial.
Sob a camuflagem da escuridão, ocorrem desde pequenos crimes ocasionais até os mais complexos e seriais. Corpos são encontrados pela manhã, casas são descobertas arrombadas e furtadas, pessoas são vítimas de estupros, atropelamento seguido de fuga, e outra sorte de atividades criminosas.
Os pontos turísticos, a orla das praias, os bares e outros logradouros noturnos são fortes candidatos à venda de drogas, prostituição infantil, encontros de acerto de contas e de plotagem de vítimas potenciais tanto para criminosos comuns quanto assassinos seriais.
É nessa atmosfera atraente da vida noturna que a maioria das atividades criminosas é colocada em andamento.
2.2 Ausência de serviços essenciais
A insuficiência de serviços públicos, um ato leviano da administração pública, propicia a proliferação das ações criminosas noturnas.
Em sua falta de planejamento, o Estado deixa ruas sem iluminação pública, árvores sem poda que encobrem a iluminação, pontos de ônibus sem segurança, ruas esburacadas que provocam a diminuição da velocidade dos carros, semáforos sem temporização correta para o horário da noite, diminuição excessiva do transporte urbano coletivo, além de outros cenários facilitadores do cometimento de ilícitos.
O imposto pago pelo cidadão só apresenta seu valor em ano de eleição, e no restante do tempo, o império da falta de segurança reina quase que absoluto.
2.3 A insegurança viral
Mas a falta de políticas e gestão em segurança pública é o pior de todos os fomentadores dos perigos noturnos, e também diurnos. Esse ato incoerente com a função de administrar consagra uma insegurança que se dissemina como um vírus contaminando todos os setores.
Dentre os fatores desencadeadores mais comuns da insegurança viral, destacamos três que cotidianamente impregnam a segurança pública:
2.3.1 Abordagens erradas
Habituados à lida noturna com o perigo constante, onde cada abordagem pode significar a diferença entre a vida e a morte, o policial sem o acompanhamento técnico e psicológico apropriado somado com a constante capacitação profissional, pode apresentar o comportamento desviante da truculência policial.
Mesmo que nem todos os casos se apresentem sob essa justificativa, o resultado é o mesmo: o temor de ser submetido a uma abordagem policial sentido pelas pessoas.
Esse paradoxo comportamental e a atribuição de proteger e servir do policial, é um dos grandes desfiguradores da imagem da polícia.
2.3.2 Tempo de Resposta
Importante aspecto que transmite confiança no trabalho da polícia é sua capacidade de estar presente no mais curto espaço de tempo após a notificação, no local da ocorrência.
Se durante o dia a demora de chegada de agentes da lei a um local demandado já causa stress, durante a noite pode significar perdas substanciais para a solução de crimes e a captura de bandidos.
Fatores com a falta de sistema de rádio de longo alcance ou torres repetidoras, a inexistência de uma Central Integrada de Informações Operacionais capaz de processar e repassar dados para a viatura mais próxima de um local de ocorrência, e a própria falta de viaturas em condições reais de policiamento ostensivo, são grandes contribuintes para um tempo de resposta tardio.
Temerosos de não terem suas demandas atendidas em tempo oportuno, o receio de permanecer em local inseguro por muito tempo sem a certeza da presença da polícia, acrescenta no cidadão uma maior insegurança em seus deslocamentos durante a noite.
2.3.3 Portas Fechadas
Não há nada pior para uma guarnição de polícia ostensiva do que chegar a uma delegacia conduzindo detidos e encontrá-la de portas fechadas. E numa situação similar, se vê o cidadão quando necessita dos serviços da polícia judiciária.
Que aqui fique esclarecido que o termo “portas fechadas” se aplica à circunstância de não poder contar com os serviços de polícia judiciária, seja porque a delegacia não funcione em determinados horários, seja porque não haja efetivo suficiente ou mesmo porque não haja equipamentos para o correto atendimento aos usuários.
A população, o índice de ocorrências criminais e o número de veículos em trânsito nas vias públicas não param de crescer. Esses aumentos afetam diretamente a demanda por serviços de segurança pública. Entretanto, nossa sociedade está em constante defasagem. A carência de policiais é gritante a falta deles sobrecarrega os que estão na ativa, tornando a atividade de polícia mais desgastante do que ela já é.
Encontrar uma delegacia fechada deparar-se com a ausência de delegados, escrivães e agentes, é como pedir socorro num momento de necessidade e não ser atendido.
3 Enquanto o dia não chega
A noite não fala por si só. A ausência de policiamento ou quando este serviço é prestado insuficientemente, sem planejamento, ou ainda quando o Estado é omisso em manter os logradouros públicos em condições de trafegabilidade em segurança tanto por veículos quanto por pedestres, não é a escuridão que amedronta.
Como bem afirma Luiz Eduardo Soares: “Segurança é uma questão de Estado e deve estar acima das diferenças políticas.” Portanto, o entendimento de que o sentimento de segurança, essa sensação fundamental para a vida a sociedade, precisa romper com o usual e se garantir sua qualidade.
Que não haja necessidade de crimes de grande comoção pública, nem de megaeventos esportivos e nem tampouco da chegada da época de eleições para que a gestão administrativa assegure o direito de ir e vir com segurança, quer seja de dia ou de noite.
REFERÊNCIAS:
COSTA, Naldson Ramos. Violência Policial, Segurança Pública e Práticas Civilizatórias no Mato Grosso. 2004. 359 f. Tese (Doutorado) – Curso de Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14691>. Acesso em: 08 mai. 2012.
KAHN, Tulio. Velha e Nova Polícia: Polícia e Políticas de Segurança Pública no Brasil Atual. São Paulo: Sicurezza, 2002.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa da. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
SOARES, Luiz Eduardo. Segurança tem Saída. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.
* Ivenio Hermes
Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública;
Pesquisador na área de Criminalidade, Direito e Ensino Policial.
Escritor e Servidor Público