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O uso de psicotrópicos na UFRN: espaços conquistados e os seus usos

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Imagem: Mickey Angels

Ao ingressar no chamado “ensino superior” escutamos algumas frases que, a princípio, podem pareceu banais. Uma delas, muito difundida, afirma: “liberdades conquistadas são liberdades conquistadas”.

Parece algo “bobo”, mas quer dizer muito. Faz com que nos lembremos que até mesmo o poder de falar o que se pensa foi conquistado à ferro, fogo e sangue, literalmente. Nossos direitos e liberdades foram esculpidos aos poucos, na luta contra uma herança absolutista que aqui chegou na forma de Estado com as caravelas.

O reflexo do pensamento absolutista, que ordena uma única visão de mundo para a sociedade, ainda pode ser visto. Em todos os lugares e principalmente no meio acadêmico. A “briga” entre Karl Marx e Max Weber é um bom exemplo. Muitos tentam criar uma separação entre a teoria de tais autores, fato que só expõe a fragilidade do pensamento unilateral. A ciência é tal como uma caixa de ferramentas. Para cada serviço, uma ferramenta específica. Marx e Weber não se opõem, complementam-se. Cada um faz uma análise da realidade a partir de um ponto de vista específico e cria ferramentas para “trabalhar neste mundo que criou (teórico)”. Acontece que tem muita gente tentando tirar porca de parafuso com martelo. É de se utilizar as ferramentas corretas para cada atividade. Bourdieu e Giddens compreendem bem a ideia da ciência como uma caixa de ferramentas e unificaram teorias que para muitos pareciam divergentes.

Mas não é disto que quero falar. Os dois pontos citados (liberdades conquistadas e pensamento unilateral) são fundamentais para compreender um incômodo que existe no “Setor II” da UFRN há tempos: o uso de psicotrópicos.

O primeiro ponto que se deve chamar atenção é que a “liberdade e maior tolerância” para o consumo de “psicotrópicos” (de acordo com o Houaiss: “que ou o que atua quimicamente sobre o psiquismo, a atividade mental, o comportamento, a percepção etc. – diz-se de medicamento, droga, substância etc. – [Alguns psicotrópicos têm efeito sedativo, calmante ou antidepressivo; outros, esp. se us. indevidamente, podem causar perturbações psíquicas) no Setor II do que nos demais setores foi uma conquista após muitos debates e lutas. O fato não ocorreu “como num passe de mágica”. Durante toda primeira década do ano 2 mil foram vários os debates de movimentos estudantis, CA’s etc.  com “autoridades”, que iam desde palestras à reuniões  com os “big boss”. O resultado do amplo diálogo foi a garantia de uma maior tolerância no uso de determinadas substâncias, o que de fato ocorreu com a diminuição de “intervenções” dos seguranças da UFRN em relação aos usuários de psicotrópicos. “Antes” era “relativamente comum” alunos serem levados pelos seguranças ou mesmo a apreensão de substâncias ilegais na UFRN. Depois de amplo diálogo a situação mudou. A prática passou a ser “tolerada” (lembrando sempre que a “tolerância” é também intolerante, já que ela não aceita, ela “suporta”). A partir de então parece ter surgido basicamente “dois grupos” que se distinguem dentro do Setor II (talvez mais, porém, “de forma grosseira”, pode-se dividir em dois).

1º grupo- daqueles que levam a sério o debate. Que entendem os psicotrópicos como forma de ampliar a visão de mundo e usam tais substâncias aliadas à amplas horas de estudo, pesquisa, engajamento no meio intelectual etc. Neste caso os psicotrópicos agem como uma “enzima” do conhecimento, deixando mais fácil a comunicação, a interação, a troca de ideias e uma série de outras coisas.

2º grupo – dos “porra loca”. Que não tem produção acadêmica, que não estudam, que estão na UFRN unicamente por serem filhos de uma classe média que permite coloca-los em instituições particulares de ensino que, “por difusão fcilitada”, conseguem adquirir mais conhecimento que aqueles que esforçam-se nas escolas públicas e que acham-se no direito legítimo que usar um espaço que foi criado para outros fins, não para a diarreia mental. Nestes espaços, se você falar de livro (dentro de uma universidade!) será tachado de “metido a cult”. Só para se ter ideia da “porra-louquice”.

O segundo grupo, especificamente, tem gerado uma série de questionamentos por parte dos demais estudantes da UFRN devido seu pensamento intolerante. Suas práticas sem limites, ao invadirem todos os espaços deixam os demais sufocados.

É de se compreender que uma universidade é um espaço para o diálogo, aceitação e difusão de novas ideias e modos de vida, porém, o que dizer do “excesso de liberdade”.

Ao falar “excesso de liberdade” muitos podem automaticamente imaginar: “lá vem o fascismo”. Mas não se trata disto. A liberdade, quando levada ao seu último nível, torna-se tirania. Pois se sou livre, sou livre para tudo, inclusive para tirar de outrem a liberdade. Alguns tem tirado a liberdade de outros. A liberdade de uma sala de aula limpa, por exemplo, já que alguns invadem as salas para uso de psicotrópicos e deixam lá seus vestígios. A liberdade da concentração, do silêncio necessário para se compreender questões complexas e nem tão simples para todos (claro que existem os Einsteins que dizem compreender tudo mesmo no barulho, mas não seria tirania achar que todos são assim? Muitos precisam de silêncio para concentração).

Ainda é esta a realidade de “alguns” usuários de psicotrópicos no Setor II da UFRN.  Insatisfeitos em terem a liberdade para “psicotropiar” por vários lugares, invadiram as salas de aula, deixando dentro delas restos, lixos e odores. Não só isto, a inconveniência “acústica” é recorrente pelo barulho excessivo exercido nas atividades “pós-psicotrópicos”.

O mais curioso? As aulas mais afetadas são as de filosofia.  Logo este conhecimento que é tido como crítico, que auxilia a nos retirar do chamado “senso comum” e pensar a realidade de uma forma mais complexa. Não existiria aí uma contradição das práticas dos estudantes e seus objetivos para com o uso de tais substâncias?

Puro delírio psicotrópico ou um excesso de liberdade, pouco importa. A grande questão, dentro das universidades, ao se pensar o uso de psicotrópicos é: Que uso se quer? O de Durkheim, Foucault etc.? Ou o uso sem fins e por puro niilismo?

Deixando claro o questionamento: “Que uso queremos no espaço público”? Nos demais países onde muitos psicotrópicos são liberados, pode-se fazer uso deles em todo lugar e em qualquer momento?