Por Jota Mombaça
(do Substantivo Plural)
Decerto que, a partir da caricatura tweetada pela Carta Potiguar, construi eu mesmo uma imagem – talvez menos caricata, mas ainda redutora. Tenho consciência desse jogo. Mas é que vislumbro, ainda, um terceiro problema, Alyson: de que forma o Império da Verdade desarticulado pela caóide WWW se rearticula, de que modo se reconstituem os sujeitos da credibilidade. Daniel preferiu produzir uma manchete, contrariando seu informante que pediu a ele que não expusesse a situação, a escrever um texto, porque ele tem informações que podem expor setores, cursos, alunos e a própria instituição. Aí, vê-se instaurado todo um jogo de espionagem jornalística, uma trama de informações anônimas – sabem sobre nós coisas que nós próprios ignoramos –, uma rede de produção de verdade mediando a realidade dita tangível e a representação noticiosa dela. Então se aceito entrar no jogo da criação de imagens é para instaurar turbulências e linhas de fuga, para tornar confusa a credibilidade dos sujeitos da credibilidade. Bem como exponho, ao escrever, a carne de um pensamento nômade; um discurso trans. Estou constantemente me abandonando e minha filosofia escorrega: quando penso tê-la encontrado, eis que ela me escapa, mais uma vez, por entre os dedos. Assim é que me considero libertário (sem ismo) na medida em que viabilizo autoabandonos, ponho-me em trânsito e desarticulo na subjetivação o jogo que opõe identidade e diferença. Do mesmo modo, a utopia que experimento na Praça da SOMA – espaço autogestionado de sociabilidade construído pelos alunos do Setor II com os restos da universidade, que já foi, desde sua construção, no segundo semestre do ano passado, cinco vezes destruído por forças tão autônomas quanto nós (o CCHLA ou a REITORIA jamais se responsabilizaram formalmente) e reconstruído pelos piratas da Somália – se alastra pela minha experiência, e se lá eu sugo o seio da impossibilidade é para instaurar novos possíveis na realidade interditada. Mas não é para ficar só no âmbito da minha vida que estou escrevendo este texto, voltemos à discussão quanto ao Crack. Daniel, você interpretou uma associação que faço entre crack e pobreza, mas, na verdade, a associação que faço é entre crack e miséria, e por miséria não me limito – nem se limite – a entender situação financeira. O seu tio, que vendeu carro e não sei mais o quê, não era pobre, mas ao encontrar o crack foi se deixando levar a uma situação de miséria (sobretudo existencial). O crack, assim, não é droga de pobre, é a droga do lumpen, não porque só miseráveis as desejem, mas porque ela produz existência-trapo – e não somente porque seja uma droga pesada do ponto de vista dos seus efeitos, mas porque é produzida – pelas midiotizações, narcopropagandas,… – para isso. Trata-se de uma droga feita com o resíduo do processo de produção do bright. E se você me diz que não é uma droga barata, deixe-me fazer uma pequena demonstração: 1 pedra de crack custa R$5 e tem, em média, 1g; 1g de cocaína custa, em Natal, cerca de R$25. Para um viciado em crack, uma pedra não é suficiente; para um cocainômano, tampouco 1g o é. Compare as duas coisas. Além disso, você também depreendeu, do meu texto, a afirmação segundo a qual eu considero o uso de drogas intelectualmente libertador. Não disse isso. O caso da maconha é local, trata-se de toda uma nova consciência maconheira voltada à descriminalização, mas isso jamais significará que, entre maconheiros, o pensamento é necessariamente livre, em oposição aos não maconheiros, que são essencialmente caretas. Esse jogo de oposições totalizadoras eu também não faço. Recentemente, o Coletivo Dar publicou um texto criticando o tipo de conversa que certo fórum nacional de maconheiros, no facebook, abrigava, em geral de cunho altamente sexista, misógino e homofóbico; da mesma maneira, recentemente escrevi um texto sobre o dia em que rodei na Polícia Rodoviária Federal e dei de cara com policiais gentis, inteligentes e definitivamente não caretas. Não se trata de criar os personagens e deixá-los em lugares fixos no tabuleiro, pelo contrário, meu jogo é o de chacoalhar o tabuleiro para retirar, de seus lugares fixos, os pinos. Quanto ao uso de crack na UFRN, de fato não tenho, como vocês parecem ter, essas informações – apesar de frequentar diariamente não só a barra-da-saia do CCHLA mas os fumódromos da universidade. Por isso mesmo não estou apto, Mel, a travar debates sobre o assunto, e também não quero brincar de cabo de guerra com Daniel, com Alyson ou com ninguém, que eu acho isso patético. Quando escrevo, não escrevo para colonizar discursos, tampouco desejo vencer um duelo; escrevo para desestabilizar os discursos – e o meu também –, para que eles fluam, para que o eu seja transportado para um ponto onde sou outro. Ao falar, não me interessa a disputa pela disputa, ou o ethos democrático; falo para deixar escorrer o ethos, para diluir as bordas, porque também não me interessa permanecer intacto, quero ser arremessado, ser entre, errático, trans.