Por Edmilson Lopes
(Sociólogo e prof. do Dep. de Ciências Sociais – UFRN)
Texto Publicado na Terra Magazine
Mobilidade urbana é o tema do momento. Nas grandes cidades, o tema deverá ocupar grande parte dos discursos dos candidatos às prefeituras. O crescimento da frota de veículos individuais e a ausência de investimentos vigorosos em transportes coletivos contribuíram para deteriorar a qualidade de vida não apenas nas metrópoles, mas também em cidades de porte médio. Parado em engarrafamento, ou espremido em ônibus, trens ou metrôs, o brasileiro vai se dando conta de que o preço a pagar pela incorporação do automóvel como bem distintivo é muito caro. Como não existem saídas mágicas, nem dinheiro dá em árvores, o grande ganho da discussão será mesmo a construção de um consenso em torno da necessidade de obras estruturais para o transporte de massas.
Entretanto, a (i)mobilidade urbana não traduz todo o drama do deslocamento de pessoas e cargas no Brasil contemporâneo. No vasto território nacional, a opção feita há décadas pelo transporte também cobra o seu alto preço. O transporte de cargas e de passageiros, pelas estradas do Brasil, exige um debate nacional. Nesse debate, mais do que a cobrança de obras de manutenção e de expansão da malha rodoviário, temos o desafio de lidar com a insegurança em boa parte de nossas estradas.
A naturalização dos assaltos nas rodovias é tamanha que os mapas rodoviários mais completos trazem informações sobre trechos nos quais a vulnerabilidade aos assaltantes das estradas é maior. Entretanto, mesmo os melhores guias não conseguem mapear corretamente as atividades predatórias que se desenvolvem em nossas rodovias. Os roubos de cargas, geralmente desenvolvido por grupos inseridos em redes amplas que contam com a participação de poderosos esquemas de comercialização, é a modalidade criminosa mais vistosa desenvolvidas em nossas estradas. Pela sua dimensão e pelo envolvimento de redes locais e regionais de comercialização de produtos sem notas fiscais, essa prática delituosa, quando as quadrilhas que a desenvolvem são desbaratadas, contam com ampla cobertura da imprensa.
Entretanto, há uma ampla gama de práticas predatórias nas nossas estradas que, salvo quando resultam em homicídios, merecem algum destaque. Refiro-me aos assaltos a ônibus de passageiros e a veículos particulares.
Em Pau dos Ferros, no oeste do Rio Grande do Norte, professores da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte que ministram aulas em cursos noturnos nos municípios vizinhos, escaldados pelos constantes assaltos das vans que os transportam, não mais retornam para a cidade após o término de suas atividades. Enfrentar 30 ou 40 quilômetros de rodovia se tornou algo temerário na região. Um motorista da Universidade, que já foi assaltado seis vezes em menos de cinco anos, falou-me que já tem um roteiro de como se comportar nas dramáticas situações dos assaltos. Estes, não raro, duram horas e envolvem o desvio dos transportes de passageiros – ônibus ou vans – para estradas carroçáveis. Além do pouco dinheiro dos passageiros, os criminosos são atraídos pelos aparelhos celulares e pelos notebooks. No último assalto em que foi vítima, os criminosos suspeitaram que um professor era policial e queriam assassiná-lo. Foi custoso convencê-los de que o rapaz malhado e de cabelos curtos era mesmo um professor.
Em sua tese de doutoramento, defendida no Programa de Sáude da UFBA, Silvia Regina Viodres Inoue apontou como os roubos a ônibus nas estradas baianas como determinante no sofrimento psíquico de condutores e passageiros. O trabalho, orientado pelo Professor Eduardo Paes Machado, aponta ainda como os roubos a ônibus foram incorporados aos cálculos de passageiros e motoristas.
Os custos sociais e econômicos da criminalidade predatória nas estradas brasileiras não são pequenos. As escoltas de caminhões e ônibus se tornaram obrigatórias e têm contribuído para aumentar os preços dos serviços tanto das transportadoras de cargas quanto das empresas de transportes de passageiros.
Na defesa de tese de Sílvia, na qual participei como examinador externo, o Professor Machado chamou a atenção para o fato de que a atividade predatória nas estradas é uma modalidade criminosa restritas a poucos países. Geralmente ocorre, em nações que, recém saídas de guerras civis, ainda convivem com grupos fortemente armados. No Brasil, é a expressão de quanto o Estado ainda tem dificuldades estruturais de garantir o controle do seu território.