Por Anderson Soares
(Psicopedagogo e Educador)
A violência sexual é um dos crimes que mais nos causa repulsa e, infelizmente e as estatísticas a respeito nos mostram números horripilantes.
Mas, diante dos fatos, em nenhum instante, somos estimulados a refletir mais seriamente sobre o tema, que envolve questões subjetivas como a sexualidade, relações de poder, os afetos e a cultura machista\patriarcal impregnada em nossos hábitos cotidianos e percepções intoxicadas.
A partir de depoimentos de homens que cometeram este tipo de crime, conseguimos elaborar importantes reflexões sobre o tema. O que nos chama bastante atenção é que parece ser próprio do perfil da maioria destes homens a ausência de arrependimento diante do crime cometido, com afirmações do tipo “fui provocado e cumpri meu papel de macho e só por isso estou preso…”. Procuramos investigar e entender a construção deste tipo de percepção que é bastante comum em uma sociedade doentia como a nossa, que usufrui (sem causar espanto) da imagem erotizada e depreciativa do corpo feminino até para vender pneus e bebidas alcoólicas.
No campo subjetivo da formação dos homens, observamos que o que há de pior na formação machista que recebemos é o distanciamento sensorial e afetivo dos homens em relação às mães já nos primeiros anos de vida, sendo considerada uma fragilidade a expressão de contatos corporais com a mãe. Visível também que, desde a primeira infância, os mesmos vão construindo uma percepção agressiva e repulsiva sobre o universo feminino, principalmente os que passaram pelo triste contexto de abandono, violência física e ausência de afeto da parte da mãe.
Observamos que alguns homens não conseguem ter empatia com o universo feminino. Outros, em casos mais extremos, não conseguem sequer ver a mulher como um ser humano. Percebemos que poucos conseguem se desenvolver afetivamente em suas relações pessoais, mantendo uma perigosa e comprometedora “armadura” (construída inconscientemente) para não expor suas fragilidades comuns e características culturalmente “femininas” como a sensibilidade e a emoção aflorada.
Algo que também nos chama bastante a atenção é a opinião majoritária sobre os homens que cometem este tipo de crime: muitos acham que são doentes mentais, psicopatas, etc. Não é isso que observamos no perfil dos mesmos, a maioria deles pode ser chamada de pessoas “normais” (casados, com filhos, emprego, rotina, etc) e que independem de classe social.
Então, temos indícios férteis de que a questão do estupro está mais para um ato de poder do que para um ato de necessidades sexuais.
Entendemos que no campo simbólico e subjetivo da sexualidade, estes homens sentem-se respaldados por uma cultura hedonista e pelo comportamento coletivo permissivo que estimula o menosprezo e a coisificação da sexualidade feminina.
Constata-se, em depoimentos de homens que cometeram este tipo de crime, a necessidade de demonstração de poder, de subjugar e humilhar alguém mais vulnerável que pode estar ao seu alcance. É visível, nestas pessoas, a necessidade de extravasar uma violência vingativa por vias sexuais naquelas que, conforme sua percepção doentia (devidamente estimulada), não são reconhecidas como ser humano.
Mesmo nos dias atuais, espanta-nos algumas opiniões sobre este tipo de crime, inclusive, as que levantam a hipótese da conivência da mulher (suas roupas, suas expressões, locais frequentados, “horários impróprios”,etc) diante do crime do qual foi vítima. Opiniões estas fomentadas pela ignorância, pela cegueira social e pelos sórdidos meios de comunicação, de caráter apenas informativo, que em nada estimulam a refletir seriamente sobre o tema; apenas despertando ira e indignação mal direcionada.
Poucos conseguem ter consciência do que deve ser a administração das sequelas psíquicas e emocionais das mulheres vitimadas (parte grande é menor de idade) por este tipo de crime. Conforme estudiosos do tema, uma grande parte das mulheres estupradas não chega a fazer registro policial por justificados constrangimentos e ameaças recebidas por quem cometeu o crime. Algumas conseguem superar na base da resiliência e levar a vida a diante, administrando as sequelas internas. Mas, conforme cada contexto pessoal, outras ficam com o restante do percurso de vida bastante comprometido, vivendo no cotidiano o que conhecemos por transtorno por estresse pós-traumático.
Em alguns contextos (reforçados por dogmas religiosos), a violência contra a mulher é “naturalizada”. Acredita-se que o “proprietário” tem o direito de “corrigir” seu objeto, não sendo considerado um crime a agressão do marido contra a mulher. A mulher que é domesticada em determinados contextos, nem mesmo acha que tais agressões são crimes; considera-se até merecedora de tais castigos.
A percepção machista, mencionada neste texto, também se refere à construída pelo universo feminino em seu processo de domesticação. Uma boa parte das mulheres constrói, em sua trajetória pessoal, a expectativa de que os homens sejam dominadores, agressivos, provedores, não expressem “fragilidade”. Muitas transmitem estas expectativas para seus próprios filhos, ou seja, elas reproduzem também o sistema que as vitimam; e chegam a considerar estranhos os homens com características pessoais e emotivas que não reproduzem o corriqueiro comportamento masculino.
Para finalizar, deixamos uma mensagem reflexiva, a opinião de um famoso grupo feminista americano (Women Against Rape: Mulheres Contra o Estupro, atuante desde anos 60\70) que tinha como lema: “A pornografia é a teoria, o estupro é a prática”.