Não se assuste, a ordem dos capítulos é essa mesmo. Johanna é um terror psicológico, e o estranhamento gerado pelo roteiro é proposital: eu quero fazer você entrar um pouco no mundo da nossa garota, a qual você passará a seguir a partir de hoje*. Espero que gostem.
Dyego Saraiva.
*série que será publicada a cada 3 dias.
5
Robbins, Mark. PhD. Com ele, outras pessoas e suas roupas de noite, perfumados e espalhando olhares curiosos. Uma gota de suor
escorre pela têmpora do homem que vai falar:
_ Senhores, este é o quarto onde se encontra a pacienpaciente Johana. Observem que ela é uma menina normal e que não há sinais de maus-tratos. Neste momento exato, ela está ouguuuuuuuuuuuuuuuuuu
***
Mark Robbins tem catorze anos e está na antiga fazenda do seu pai, caminhando por sobre a grama verdejante sem fim. Ele usa um macacão cobrindo o corpo nu e um chapéu. Olha para aquilo tudo, simplesmente não entende. Seu pai está ao seu lado, falando sobre a safra atual, coisa deveras desinteressante para o futuro médico. Logo abaixo está o filho mais velho do capataz. Por algum motivo, Mark nunca quis fazer amizade com o rapaz, nem se aproximar, no entanto, ao vê-lo tomando banho naquele riacho despreocupadamente, como veio ao mundo, ocorreu-lhe algo estranho, algo involuntário que o seu pai logo percebeu. Seus olhos arregalaram-se, catatônicos. Mark Robbins levou vinte chibatadas naquela tarde, de um pai bufando de ódio e vergonha. Mark sentiu cada embaraço, cada ardor nas costas, cada queimação na garganta ao gritar para que aquele homem parasse. Mas ele não parou.
***
_uuuuu agh!
Um alarme soa. O som lembra uma sirene de ataque aéreo; alto, longo e estridente. Algumas pessoas estranhamente passam a bater com a cabeça na parede de vidro daquele quarto, que mais parece um aquário, enquanto outros sorriem insanamente e o chefe do centro psiquiátrico fica gritando “pai! pára pai!”. Em segundos, homens cobertos dos pés à cabeça entram gritando, desajeitados, jogando todos ao chão. A menina está lá de pé no chão e camisola com seus olhos por entre a grande franja, olhos distantes, vazios, perdidos no nada. Um dos homens que adentram o quarto começa a bater nos seus colegas e é logo seguro por outros dois. Um outro quer escalar a parede da sala, caindo várias vezes.
Mark Robbins é chefe do centro psiquiátrico Thomas de Aquino há 13 anos, psiquiatra e Phd em distúrbios psicossomáticos. É ele quem grita para que seu pai pare. Os outros são membros da câmara, vereadores, repórteres de tv local, empresários e figurões da indústria farmacêutica. Todos, sem exceção, estão fazendo algo deplorável, que vai desde ejacular na roupa, passando por fazer coisas sem sentido envolvendo uma bola invisível e comer os próprios cabelos. Johana finalmente consegue ser imobilizada e um potente sedativo é colocado em seu soro. Ela desmaia. As pessoas caem.
6
_Como isso pôde acontecer!_ Esbraveja Mark, na mesa rodeada de subordinados. _Aquilo foi horrível… Deus, horrível!_ Mark está transtornado, vermelho, totalmente diferente do homem calmo e calculista que sempre foi. Ou tentava ser.
_ O remédio não está mais fazendo efeito. Não importa o quanto aumentemos a dose, ela sempre consegue superá-la._ Disse Jacob Robbins, o único que parecia não temer o doutor Robbins. Também pudera, ele é seu irmão.
_ …terrível…_ , disse Mark, cabisbaixo, como se não tivesse ouvido o que o irmão falou._ O deputado Reagan, imitando uma galinha! Cristo, a Margaret beijando a Martha… ela nunca vai superar aquilo… Vocês, vocês não vêem a dimensão do desastre que essa visita vai nos trazer? A repercussão na mídia, as perguntas, o corte das verbas…
Com um olhar frio, como se não ligasse pros lamentos do irmão, Jacob sentencia:
_ temos que finalizá-la, Mark. Ela controle ao fugira.
_ como é? Você está louco?! Dizer que o vamos à porra da mídia? Que ela simplesmente morreu?! Essa menina é criação nossa, seu sorveteeeeeeeeegh! Não podemos simpllllllllllllllllllllllllll
Lllllllldph
pepdkcevevdmemdzzzZZZZZZZZZOOOOOGHHHHHHHHHH
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1
Johana viu-se deitada olhando para o teto, ignorando aonde, quando ou por quê. Esses eram conceitos inexistentes a ela. Ela sabia que tinha oito anos, de tanto que ouvia os médicos falarem de vez em quando em seu quarto, porém o sentido disso era desconhecido. Do idioma, entendia pouco; Apenas frases-feitas que lhe vinham à mente, como “olá menina, hora do café” e variações com almoço e janta. Frases do tipo “como você está hoje?”, “abra a boca”, “que menina linda, vai ficar bem gostosinha” ela também conhecia, mas de um modo geral não compreendia seu significado. Na verdade, em alguns momentos Johana compreendia sim, mas de um modo diferente do nosso, e seu pavor ante ao que via foi-lhe tirando as feições de menina, de Ser humano. Johana via o caos, um nível abaixo do filtro chamado realidade.
Johana passava seus dias deitada vivendo um eterno sonho de faz-de-conta, ouvindo uma intermitente voz narrando-lhe contos dos irmãos Grimm, que ela já sabia de cor. Dra. Gouveia, psicóloga infantil e uma das chefes do Centro, explicava aos subordinados que, além de lhe ocupar a cabeça, os contos lhe dariam uma boa base moral.
Sua solidão, saudade de algo que não sabia o quê, sua carência aumentou ainda mais no momento em que, devido a certos “incidentes”, enfermeiros ou médicos jamais poderiam se aproximar da menina. Tudo era computadorizado e seu quarto ficou rodeado de vidros de forma que só quem estava pelo lado de fora poderia ver quem estava dentro, e nunca o contrário.
Johana abriu os olhos, uma voz ao microfone a acordara.
_ Johana. _ Disse a voz. _Sou eu.
Johana, imersa em seus sonhos, pensava estar ouvindo a voz do narrador dos contos-de-fadas. Ela sorri. Acorda. Grita.
_ Johana, por que faz isso? Pare.
A voz soou macia, confortante. Johana parou. A voz continuou.
_ Sente-se.
Ela sentou-se, roboticamente.
_ Um homem irá entrar em seu quarto. Sente-se à sua frente.
Um homem sobre uma cadeira-de-rodas, entrou no quarto usando uma máscara cobrindo toda a sua face, apenas deixando-lhe os buracos de suas narinas e olhos, preso em uma camisa-de-força.
2
_ Johana, _ Uma voz , em algum lugar de dentro do quarto. _ Olhe para este homem.
O homem, de máscara e camisa-de-força, olhava para a menina com um olhar de fúria. Johana virou levemente o pescoço, deixando sua cabeça cair para o lado. Sua expressão, indiferente, não mudou um milímetro.
_ Johana, _disse a voz _ Esse homem é mau. Onde o homem mau está agora?
Johana entendia o que significava a palavra “mau”; Nos contos dos irmãos Grimm, havia o Lobo-Mau, que-pegava-as-criancinhas-pra-fazer-mingau. Ela pegou um bloco e um lápis previamente deixados em uma mesinha e passou a desenhar o homem em sua cadeira-de-rodas. Essa primeira pergunta, óbvia, servia apenas para constatarem se a menina entendia ou não o que a voz falava. Pouco depois a voz tornou a perguntar:
_ E há duas horas, aonde esse senhor estava?
Johana demorou alguns segundos e passou a desenhar um homem deitado no chão de uma cela de cadeia: Havia também um colchão, uma pia e um sanitário.
_ Muito bem. Agora, aonde esse senhor estava há cinco semanas? Pode desenhar para nós?
Johana ia começar a desenhar, mas antes disso, havia um processo.
***
Jeb Irons veste uma camisa branca de mangas longas, calça bege e um óculos quadrado. Ele está numa sala imunda, escura, com ladrilhos faltando nas paredes…………………….. Ele está sentado. A calça bege está arreada. ……………………….. Ele se masturba. Um pote.
***
Johana calmamente passou a desenhar toda a cena e mostrou para o vidro. A voz voltou.
_ Isso não ajuda muito, Johana. Queremos a localização desse lugar. Volte.
***
Uma porta. Abrindo e fechando. Pote. Antes de fechar, pote no chão. Escuro. Sala imunda. Jeb sentado. Calça arreada. Pote.
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Jeb está saindo. Pombos voando. Sinos. Uma igreja gótica.
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Uma vez mais, o desenho. Houve um rebuliço por trás do vidro e a cadeira voltou de ré pela porta, que se fechou.
_ Obrigado, Johana.
A menina deitou-se e algo foi inserido em seu soro, fazendo-a voltar ao conto de fadas.