Por Paulo Linhares, Professor de Direito da UERN
Atribui-se a Rômulo, o fundador de Roma, a criação do culto ao fogo sagrado como expressão religiosa que representa a vida doméstica e a cidade, personificado pela deusa Vesta, filha de Cibele e Saturno, antigas divindade da mitologia greco-romana. Defensora do lar e da vida familiar, Vesta (Héstia, na Grécia) manteve-se casta a despeito do assédio dos deuses Apolo e Netuno, tornando-a festejada e a mais preciosa deusa do Olimpo. Em sua honra, Numa Pompílio (715-673 a.C.), segundo rei de Roma, mandou construir um templo no formato de globo, para representar o mundo, em cujo centro ardia a pira do fogo sagrado. E como guardiãs desse culto, segundo narra Tito Lívio no seu “Ab urbe condita”, Numa Pompílio instituiu o sacerdócio de virgens dedicadas ao culto de Vesta, as Virgens Vestais (do latim, virgo vestalis). Todavia, nos dias atuais, embora mantendo sua acepção original, a palavra vestal em grande medida tem conotação de ironia, para aquela “[…] Pessoa que se dá por muito honesta, muito pura”, segundo define o Aurélio.
A lembrança dessa deusa e da sua influência no imaginário da civilização ocidental não é desprovida de propósito: a descoberta das relações perigosas entre o senador Demóstenes Torres (ex-DEM – GO) e o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, aliás, atual inquilino do Presídio Federal de Mossoró. Segundo apurado pela Polícia Federal, em março de 2012, na “Operação Monte Carlo”, constatou que Demóstenes Torres mantinha ligação com Carlinhos Cachoeira, pivô do escândalo que ficou conhecido como “máfia dos caça-níqueis” em Goiás, em 2004. Embora negando que tivesse negócios com o “empresário” Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes Torres justificou as 298 ligações telefônicas trocadas com o contraventor como sendo resultante de “uma grande amizade”. Aparentando enorme ingenuidade, ele afirmou ainda que não sabia do envolvimento de Carlinhos Cachoeira com a máfia dos caça-níqueis, o que soa como absurdo para alguém que fez carreira no Ministério Público do Estado de Goiás, onde ingressou em 1983, chegando a ser Procurador-Geral do órgão antes de ocupar o cargo de Secretário de Segurança Pública, entre 1999 a 2002, no governo de Marconi Perillo.
O senador Demóstenes Torres, desde sua chegada ao Senado Federal, eleito que foi em 2002 com 1.239.352 votos, esse goiano de Anicuns, nascido em 23 de janeiro de 1961, logo se notabilizou como um dos “falcões” da oposição implacável ao governo Lula, mantendo uma postura de moralista, tanto que foi o relator, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, do projeto que resultou na draconiana Lei da Ficha Limpa. Aliás, prefaciando livro em que o Conselho Federal da OAB editou, em homenagem à Lei da Ficha Limpa, Torres afirma que há muitos “bandidos abrigados na vida pública”. Nada mais significativo para alguém que, embora parecesse pálida imitação de seu homônimo grego – Demóstenes (384 a.C. – 322 a.C.), que foi um proeminente orador e político ateniense – foi pego com a boca na botija, porquanto recentemente a imprensa divulgou que gravações da Polícia Federal revelaram que o senador Demóstenes Torres pediu dinheiro e vazou informações de reuniões oficiais a Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, gravações estas que chegaram ao conhecimento do procurador-Geral da República Roberto Gurgel desde 2009 que, todavia, nenhuma providência envidou para apurar os fatos, tudo por obra e graça do chamado esprit de corps.
O seu partido, o Democratas, foi rápido no descarte de sua antiga vestal: abriu processo de expulsão do senador goiano a guisa de “reiterados desvios éticos”. Antes que o processo chegasse a uma decisão, Torre pediu para sair e vive, neste momento, a profunda solidão daqueles que, no mundo da política, caem em desgraça. Aliás, desde a eleição de 2010, que as vestais da oposição no Congresso amargam um inferno astral: ou não renovaram os mandatos (senadores Tasso Jereissati, Marco Maciel, Artur Virgílio, Mão Santa etc.) ou enfrentam problemas análogos ao do senador Demóstenes Torres.
E, depois de ter vivido a última década como uma das vestais da política brasileira, no “céu” a que se referia o senador potiguar Agenor Maria, amarga neste momento o seu Malebolge, que é o Oitavo Círculo do Inferno, dividido em dez fossos e abriga os fraudulentos, na obra “Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Ao senador Demóstenes, implacável moralista da Ficha Limpa, cai-lhe como uma luva o Quinto Fosso, onde os corruptos são cozinhados em piche fervente e os que ousam ficar com as cabeças acima do piche, tornam-se alvos das certeiras flechas de demônios arqueiros (Cantos 21, 22 e 23). Belo tratamento para quem usava a vergasta contra corruptos, embora fosse um deles, como evidenciam os fatos que chegaram à opinião pública. Brasil, Brasil.