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Roger Waters e a Parede Espetacular

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O conceito de Indústria Cultural diz que o valor intelectual de uma obra de arte perdeu-se para dar lugar a um mero produto que só poderia ser medido pelo dinheiro. Diz também que a Indústria Cultural suprime a participação da audiência na construção inteligente das obras, marginalizando-a.

Quando as luzes do palco acendem e Roger Waters, ex-Pink Floyd, começa a construção de seu muro épico, esse conceito parece não encontrar mais lugar na história da arte. A turnê  “The Wall” que o musico inglês traz ao Brasil é um espetáculo atualizado de enorme arrojo técnico que soa musica de qualidade e ainda traz um discurso político forte e conciso.

É impossível considerar um espetáculo desse porte apenas como mero produto; é uma experiência sensorial e coletiva que vai muito além. O avião que sobrevoa a plateia e explode no muro, o enorme e negro porco fascista que cai na mão do público e é trucidado, e o sensacional som polifônico arrebata o publico para dentro da obra.  Cada resposta emocional às frases em bom português que aparece no telão gigantesco – com imagens cinematográficas e animações impecáveis –  é um convite a cada indivíduo para construir a parede que vai sendo levantada ao longo do show.

O êxtase é sincronizado com cada nota – tocadas exatamente como no álbum – e os momentos mais emocionantes vertem-se em lágrimas. A ópera-rock de Waters se apresenta como um manifesto de existencialismo-pop com um recheio simbólico encantador. Um concerto de rock explosivo que mantém intacto sua capacidade de deixar uma mensagem importante e totalmente contemporânea: o alerta contra a repressão, o terrorismo do estado, da família e das instituições, do poder. O colapso do indivíduo isolado e incompreendido até o muro desabar e ter garantida sua liberdade emocional.

Pessoalmente, poder estar presente neste evento foi de grande valor afetivo. Ainda me lembro de uma antiga fita cassete preta que ouvi aos dez anos de idade, passada para mim por um tio de segundo grau. Nela estava gravada o álbum que eu, em minha inocência, não conseguia compreender por completo. Hoje posso dizer que sim, entendo-o plenamente. Hoje posso ver mais claramente os muros que nos dividem, e que dividem nós mesmos. Volto pra casa com grandes memórias e com um martelo na cabeça. A parede espetacular de Roger Waters é de todos nós, ao contrário do que se dizia há 60 anos. Muito obrigado, Indústria Cultural.