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O nosso verdadeiro futebol

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Por Paulo Eduardo

 

Futebol é jogado todos os dias no planeta Terra (e dependendo do seu encanto é capaz de já existir nalgum planeta por aí), distribuído em centenas de torneios e campeonatos. Nosso mundo redondo gira em torno do seu mais mágico eixo, a bola de futebol.

Desde a tenra juventude, quando as estrelas do rock ‘n’ roll dividiam com os astros ludopédicos as atenções do meu coração e da minha pele, venho me perguntando até que ponto é certo dizer que o Brasil é o país do futebol, uma pátria de chuteiras.

No aspecto puramente social, da prática cotidiana do esporte e do seu caldo de cultura na consciência da população, creio que temos um notável vício, uma paixão, entretanto, abaixo dos dos escoceses, ingleses e argentinos. E pelo lado profissional, então, tenho mais dúvidas. A imprensa esportiva, composta por uma penca de profissionais cujo perfil se enquadra na assertiva do escritor Paulo Mendes Campos – que dizia que esta ainda não havia chegado na Feira de Arte Moderna – mitificou uma hegemonia brasileira.

E esta mitificação se deu, primeiramente pela divindade de Pelé, tão incontestável na civilização ocidental quanto Jesus Cristo, e depois pela supervalorização das Copas da FIFA, quando o futebol é medido e avaliado pela régua de uma visão bissexta. Ora, qual a precisão científica ou mesmo a comprovação empírica de que dominamos o planeta apenas pelo fato de acumularmos cinco taças das copas? Não é correta uma metodologia de análise de mérito quando a ação ocorre a cada quatro anos.

Futebol acontece todo dia, toda semana, todo mês, não pode se resumir a um evento de congraçamento internacional, uma festa que tem a função de reunir os países em largos intervalos como uma convenção geopolítica e lúdica, um ato diplomático da FIFA.

E em assim sendo, volto-me para a avaliação do nosso futebol num contexto geral, seu desempenho nas demais competições realizadas anualmente, envolvendo nossos clubes e nossos jogadores. Nisto, não estamos tão hegemônicos assim como decanta a mídia.

O futebol da Argentina e do Uruguai domina a Copa América em número de títulos; os times dos dois países vizinhos têm uma supremacia histórica na Taça Libertadores; e venceram também mais vezes a extinta Conmebol e a recente Copa Sul-Americana. Aliás, há um equívoco pra lá de geográfico nas opiniões que tentam comparar a grandeza do futebol brasileiro com algum país europeu. Costuma-se dizer que aqui temos mais de uma dezena de grandes times, bem acima das nações da Europa.

Esquece-se da dimensão continental do Brasil e da sua demografia em relação ao tamanho dos países do velho continente. Não seria o caso de comparar com a Europa num todo, onde, aí sim, teríamos uma medida mais aproximada da verdade? Que tal comparar São Paulo com a Inglaterra, Rio com a Espanha, Minas com a Itália, Rio Grando do Sul com a Alemanha, Pernambuco com a França, Bahia com a Holanda? Quantos são os times competitivos aqui e lá fora, como é a realidade dos estádios?
Na quarta-feira, em que Santos, Corinthians e Flamengo estrearam na Libertadores longe de confirmarem o favoritismo dos tempos de Pelé, Rivelino e Zico, a FIFA divulgou mais uma atualização do ranking de seleções, com o Brasil na 7ª posição. Algumas manchetes destacaram o fato de que a seleção de Portugal ultrapassou o time de Mano Menezes, que era terceiro do mundo com Dunga. A primeira reação do jornalista Milton Neves no Twitter foi apimentar a notícia com sua picardia costumeira.

Naquele seu estilo de quem perde o amigo para não perder a piada, Mister Merchandising disparou que acreditar na vantagem lusa é equivalente a imaginar que não há patrícios administrando padarias nas ruas de Sampa. Mas, foi só uma piada mesmo.Porque no fundo, Milton Neves e seus milhões de telespectadores e leitores estão bestas de saber que a bolinha brasileira está murcha desde 1982, quando a arte dos pupilos de Telê Santana foi esmagada na terra de Gaudí pelo baixinho Paolo Rossi e sua trupe.

Portanto, vamos parar com essa mania pacheca, essa histeria de locutor buscando audiência a todo custo, de que o futebol nacional é nossa maior honra. E chega de desculpas do tipo “mas os argentinos, nossos rivais, também estão na pior”.

Faço minha a impressão do escritor Marcelo Rubens Paiva. Os vizinhos, pelo menos, quando não têm o que festejar na bola, exibem ao mundo cinco prêmios Nobel, duas estatuetas do Oscar e sua literatura universal. Enquanto nós gritamos, “ai, se eu te pego”.