Mais uma vez o Politicamente Correto entra em ação. Desta vez no Velho Continente, berço da cultura ocidental. Segundo noticiado pelo italiano Corriere della Sera, a ONG Gherush92 alega que o clássico “A Divina Comédia” é racista, antissemita, homofóbico e anti-islâmico, e sugere que ele deveria ser retirado do currículo escolar italiano. A comédia foi escrita no século XIV por Dante Alighieri e figura no rol de grandes obras da Literatura Universal.
Não é a primeira vez que um livro é acusado de promover o preconceito e, com absoluta certeza, também não será a última. Todavia, a frequência da “censura revisionista” (essa que revisa a História anacronicamente e fora de contexto) aumenta, dia após dia, a olhos vistos. Em terras tupiniquins, por exemplo, o Conselho Nacional de Educação recomendou recentemente a não distribuição da obra “Caçadas de Pedrinho” (Monteiro Lobato , 1933) nas escolas públicas brasileiras, alegando tratar-se de uma obra com teor racista. Dada a relevância e recorrência dessas ações, o Editorial de Artes do Portal Carta Potiguar vem apresentar uma Nota Oficial de Repúdio a qualquer tipo de censura (que para nós sempre será grafada com letra minúscula).
A Carta Potiguar acredita que, para promover o bem estar e a inclusão social, a (in)formação do cidadão é um caminho mais eficiente que a aplicação de medidas político-administrativas e punitivas. As ações de imposição da correção política são, em última instância, uma forma de tutela à autonomia de pensamento do indivíduo, cerceando sua liberdade de expressão e a construção de sua identidade.
Ignorar o passado, ou negá-lo como se ele não tivesse existido, é a forma mais eficiente para garantir que ele aconteça novamente. E as obras literárias, bem como os acontecimentos históricos, devem sempre ser lidas dentro do contexto de sua produção. Não se trata, aqui, de abandonar a obra intacta em algum lugar intocável do passado. Toda produção intelectual deve estar sempre pronta a passar pelo crivo da época em que é lida sem, contudo, ser destituída de aspectos da época em que foi criada. Somos a favor de toda e qualquer discussão crítica proposta a qualquer tempo a quaisquer aspectos de uma obra intelectual, seja ela de cunho artístico ou não. O repúdio desta nota se dirige tão somente à correção proibitiva e, a nosso ver, imbecilizante de aspectos socioculturais e históricos. A Carta Potiguar é a favor da completa autonomia de pensamento dos indivíduos e reafirma, por meio desta Nota, seu compromisso único com os ideais e os valores firmados e defendidos a partir de um engajamento crítico de cada indivíduo.
A censura revisionista não gera nada além de um grande vazio no passado e, consequentemente, na identidade de um povo. E um povo sem passado com certeza terá seu futuro comprometido. Por estas e outras razões que daí emergem, o Editorial de Artes do Portal Carta Potiguar se posiciona frontalmente contra a sugestão da ONG italiana Gherush92 e contra qualquer outro tipo de ação semelhante que tenha ocorrido ou que venha a ocorrer, defendendo o direito de um povo de não só conhecer seu passado, como também, se necessário for, contestá-lo a qualquer tempo.