Por Homero de Oliveira Costa, prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN
A crise da representação política – cujos princípios fundamentam a legitimidade dos regimes – tem sido analisada por diferentes perspectivas. Alguns, como João Bernardo, afirma que a crise não é apenas da representação, mas da própria democracia representativa. Analisando dados de várias eleições no mundo e constatando o crescimento das abstenções “com ou sem propaganda abstencionista”, diz que “não faltam manifestações de ceticismo na democracia representativa e o que vemos por todo o mundo é uma colossal perda de legitimidade desses regimes” (“Entre a desconfiança e o desinteresse: a abstenção eleitoral nas democracias” Passa Palavra, março de 2009).
Fernando Henrique Cardoso, em livro recente, afirma que há uma crise do sistema político e das instituições políticas da democracia representativa. Para ele, a crise está expressa no divórcio entre sociedade e política e que “as instituições políticas da democracia representativa e do capitalismo financeiro não expressam mais as realidades emergentes das sociedades”. Esse é “o núcleo da crise generalizada pelo qual passam os partidos políticos de todos os matizes, bem como os sistemas de representação”. Não é, portanto, uma crise específica do Brasil, e sim uma crise mais geral “Não é só aqui, no Brasil, que há um divórcio crescente entre sociedade e política. A desmoralização é geral” (“A soma e o resto, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, p.62) Há, assim, uma desconexão entre o sistema político e a sociedade e que “está na raiz que afeta a democracia representativa” (p.137).
A representação política nas democracias contemporâneas passou por significativas transformações, especialmente a partir dos anos 1980 e entre outras características “os partidos políticos de massa perderam sua centralidade na preferência do eleitorado, há uma personalização midiática da política, mudanças no mercado de trabalho que tornaram instáveis e fluidas as categorias passiveis de representação (Adrian Lavalle, Peter P. Houtzager e Graziela Castello “Democracia, Pluralização da representação e sociedade civil, revista Lua Nova n. 67, 2006)
Em relação aos que argumentam quanto à existência de uma crise de representação, ela se fundamenta em um conjunto de evidências que estão presentes tantos nas democracias consolidadas (Europa, Estados Unidos etc.) quanto nas chamadas “novas democracias”, entre outros aspectos: na volatilidade eleitoral, no declínio do comparecimento as urnas (especialmente em países com voto facultativo), na perda da centralidade e o conseqüente esvaziamento dos partidos (o primado marketing e da mídia nos processos eleitorais), na diminuição das filiações e na desconfiança nas instituições políticas, em particular nos partidos e parlamentos (Para uma análise mais específica ver Bernard Manin “Metamorfoses do governo representativo”, Revista Brasileira de Ciências Sociais n.29, 1996 e Luis Felipe Miguel “Representação política em 3D: Elementos para uma teoria ampliada da representação política”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.51, 2003).
Constada a crise de representação e da própria democracia representativa que alternativas são apresentadas? Há os que defendem reformas políticas para resolver os problemas da representação, aperfeiçoando o sistema partidário e eleitoral, corrigindo suas distorções. Embora importante e que certamente terá conseqüências no sistema político, tem limites ao circunscrever mudanças apenas ao sistema partidário e eleitoral.
Outros, embora reconheçam a crise das democracias representativas, defendem o seu aperfeiçoamento e não sua substituição. Como diz Maria Rita Loureiro que argumenta em favor dessa perspectiva “o grande desafio da teoria e da prática democrática hoje reside no aperfeiçoamento da democracia representativa” (“Interpretações contemporâneas da representação”, Revista Brasileira de Ciência Política, n.1, 2009). Nadia Urbinatti que critica os pressupostos da democracia participativa defende o que chama de “representação democrática” que não se limita apenas as eleições, ou seja, ”depende de muito mais do que simplesmente procedimentos eleitorais. Ela requer, entre outras coisas, ampla liberdade de expressão e associação, bem como “certa igualdade básica de condições materiais”. (“O que torna a representação democrática?” Lua Nova n. 67, 2006).
Há também os que, reconhecendo os limites e esgotamento da democracia representativa, defendem uma democracia participativa. Esta me parece ser, na impossibilidade de uma transformação revolucionária, a perspectiva mais conseqüente. Nela, a participação não se esgota no ato de votar. No plano eleitoral, a correção das distorções da representação e condições de igualdade na disputa eleitoral, limitando o poder econômico, hoje decisivo em eleições. Um dos seus principais defensores hoje é o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Para ele, a democracia representativa, se significou “um importante passo para a democratização do mundo (…) ao assumir-se como única forma legítima de democracia, tornou-se presa fácil dos grupos sociais dominantes que a prenderam e seqüestraram para melhor servir os seus interesses (…) e assim sendo “tornou-se um obstáculo à democratização” (Portugal: ensaio contra a autoflagelação”, Cortez Editora, 2011, p.99). Como, para ele, não há perspectiva de uma mudança radical da democracia representativa, há a necessidade de sua articulação com a democracia participativa, ou seja, articular os mecanismos da democracia representativa que existem (limitadas) com participação e nesse sentido defende o aprofundamento de experiências de participação (em seus livros como “Democratizar a democracia: os caminhos da democracia representativa” Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002 em que mostra várias experiências no mundo, inclusive a de orçamento participativo, mais especificamente, o caso de Porto Alegre (RS) considerada por ele como uma das mais importantes de participação.
Fundamentalmente, é preciso ampliar os mecanismos de participação “para além do figurino liberal” (que exclui à participação do povo no processo de tomada de decisões) e conjugar a análise das democracias realmente existentes com a análise crítica da sociedade capitalista e sua crise.