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Mossoró, uma eleição não decidida

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Pesquisa eleitoral, muito raramente, prediz quem irá vencer. Quase como regra, o quadro inicial de uma eleição é significativamente alterado no decorrer do desenrolar da disputa. A sondagem pré-eleitoral não pode ser levada muito a sério, principalmente com mais de 6 meses de antecedência.

Isto porque, poucos eleitores definem o seu voto com tanto tempo de antecedência. Apenas alguns daqueles que se ligam em política cotidianamente, também porque têm tempo/interesse para isso, agem assim. Geralmente, o eleitor que responde a uma pesquisa com mais de 6 meses de antecedência, tende, pela baixa intensidade da sua certeza eleitoral, a alterar o seu voto. O cidadão será exposto a inúmeros condicionamentos, que vão desde a conversa com o vizinho até o programa eleitoral gratuito da tv. Pesquisa, além disso, é um condicionamento entre muitos.

Imaginar, portanto, que uma eleição já está programada se configura como um verdadeiro absurdo. A história do nosso próprio RN está repleta de exemplos, de viradas impressionantes. Quem é que diria, em 2006, que Wilma levaria aquela parada contra Garibaldi Alves, chamado de “o governador de férias” até pelos “sabios analistas”? Aldo Tinoco partiu de 2% percentuais no início da eleição e sagrou-se prefeito da cidade contra o favorito, o deputado federal Henrique Alves. Wilma e Aldo nunca teriam se candidatado se absolutizassem os números dos levantamentos pré-eleitorais.

O filósofo Renato Janine Ribeiro demonstra muito bem – como sempre -, em sua coluna semanal no Valor, que a eleição é uma aposta e que, pela sua própria dinâmica, tende a surpreender aqueles que acreditam que “já tá tudo dominado (combinado)”.

Um bom recado para aqueles que alimentam a inevitabilidade da vitória de Larissa Rosado em Mossoró. Ou que escondem inclinações políticas mais profundas, fazendo uso desse sofisma.

A eleição como surpresa

Por Renato Janine Ribeiro – VALOR

Estas eleições prometem muito suspense. Para dizer a verdade, a campanha para as municipais de 2012 começou a soltar adrenalina, e muita, com um bom ano de antecedência. A rigor, ainda não sabemos quem vai ganhar – às vezes, nem quem vai disputar – as eleições na maior parte das capitais. Aliás, a ansiedade é uma constante em nossas eleições, excetuando talvez as duas vitórias de Fernando Henrique, em 1994 e 98. Hoje, a novela paulistana é exemplar desse ritmo de surpresas.

Primeiro ato: Lula intervém, afasta a aspirante mais popular do PT, Marta Suplicy, e emplaca Fernando Haddad. Foi uma ação surpreendente, mesmo que ela possa encontrar uma justificativa, que estaria em Haddad sofrer menor rejeição do que Marta e, portanto, ter talvez maiores chances de vencer. Segundo ato, o mais surpreendente até agora: o prefeito Kassab se distancia do aliado PSDB e negocia com o PT. Isso espantou, mas também há lógica nesse curioso minueto. Afinal, Kassab disputou as eleições municipais de 2008 com o atual governador do Estado, Geraldo Alckmin, e desde então eles se estranham. Mesmo assim, foi paradoxal ver uma aproximação do Partido dos Trabalhadores com um político de origem na direita, tanto assim que as bases do PT, já incomodadas com a intervenção de Lula na escolha do candidato, quase se rebelaram contra uma aliança tão “contra natura”. Terceiro ato: a entrada de José Serra na disputa, pondo fim às negociações do prefeito paulistano com o PT. Serra não queria a prefeitura e deixara isso claro, a ponto de serem programadas prévias somente por essa razão – mas mudou de ideia. Essa foi, porém, a menor surpresa das três: foi a única saída para sua família política continuar governando a maior cidade do país, e para ele se manter na posição de grande nome do PSDB.

Desde 89 elegemos só presidentes improváveis

Três atos, disse eu, um para cada surpresa; na era clássica, ou seja, nos séculos XVII e XVIII, as peças de teatro tinham cinco atos. Hoje, têm um, dois ou três. Ninguém aguenta mais tanto intervalo… Só que nas eleições deste ano vamos ultrapassar os cinco atos de Racine e Molière. Em outras palavras: eleições, no Brasil, reservam muitas surpresas. Acredito que em nosso país a dose de imprevistos numa campanha eleitoral seja maior do que em países nos quais as preferências partidárias ou políticas dos eleitores estão consolidadas ou, se assim preferirem, engessadas. Embora nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha e Espanha não seja raro uma eleição trocar o partido que está no governo, o porcentual de eleitores que mudam de opinião não é dos maiores. Já no Brasil, ele pode ser bastante elevado.

Lembremos as eleições presidenciais desde 1989. Escolho esse período, porque ele é o único marcado pela constância da democracia em nossa história. Na República Velha, as eleições eram fraudadas; depois disso, passamos por duas longas ditaduras, a de Vargas e a dos militares; e, na fase democrática de 1945 ou 46 até 1964, vivemos boa parte do tempo sob a ameaça de uma intervenção armada, que por sinal acabou ocorrendo. Mas, desde que a democracia começou a se consolidar entre nós, em 1985, um dado interessante é que somente se elegeram para a presidência da República candidatos improváveis. Poucos sabiam quem era Fernando Collor dez meses antes de ele se eleger. FHC, intelectual sofisticado, parecia o exemplo de quem jamais conseguiria falar ao povo. Seguramente, ele não se elegeria sem o Plano Real. Delfim Neto dizia que até “um poste” venceria Lula em qualquer eleição. Difícil lembrar, hoje, o quanto Lula era temido e rejeitado. Já Dilma era considerada uma tecnocrata, jamais disputara um pleito e não aparentava ter maiores dotes para a comunicação política. Em contrapartida, nenhum dos nomes óbvios – Ulysses Guimarães em 1989, Mário Covas em 1994, José Serra depois – chegou a presidente do Brasil. Parece estar em nossa tradição democrática – curta, mas creio que consolidada – a eleição como surpresa.

Essa situação tem um aspecto positivo. Nosso eleitorado não é “blasé”. Ele é capaz de mudar de ideia, conforme os rumos da campanha. Sim, ele pode ser conquistado por golpes baixos, como quando Collor acusou Lula, em 1989, de tentar induzir a ex-namorada a fazer um aborto – ou, nas últimas eleições, quando de novo o aborto serviu de arma eleitoral. Mas também decide o voto com base no interesse, como aconteceu quando o plano Real domou a inflação, ou quando o governo Lula promoveu uma maciça ascensão social das classes D e E para a classe C.

Ou pensemos no eleitorado, tal como está representado na Câmara. Nossa política tem dois polos, o PT, com 88 deputados eleitos em 2010, e o PSDB, com 54. Partidos de convicções firmes são esses dois, mais o DEM, o PCdoB e o PSOL. Talvez o PPS. Somados, têm uns 200 deputados, num total de 513. Quase todas as demais agremiações, inclusive a segunda maior, o PMDB, com 79 representantes, carecem de convicções tão firmes – isto é, podem apoiar qualquer governo. Isso é ruim? Muito. Mostra o oportunismo desses partidos. Mas, do ângulo dos cidadãos, indica que a maior parte deles não sente ódio excessivo a qualquer polo. Temos dois polos partidários, por sinal melhores que a média em outros países do mundo (melhores que os dos Estados Unidos, Itália ou França), mas a cidadania não está rachada entre eles. Mesmo se acreditarmos que os eleitores tucanos odeiem o PT, e os petistas detestem o PSDB – o que está longe de valer para todos -, a maior parte da população não está tão dividida. Isso é positivo. Permite que as pessoas mudem de ideia. Dá vida à política.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

E-mail rjanine@usp.br