A máscara pode ser tecnicamente definida como um objeto que cobre parte de ou todo o rosto de uma pessoa. Há máscaras que servem para proteger o usuário de inalar gás ou poluente venenoso; há aquelas que servem para evitar a transmissão de doenças e/ou para prevenir o usuário de uma infecção; algumas máscaras protegem os olhos do soldador das faíscas de sua solda. Em vários casos, o objeto que cobre o rosto tem uma utilidade prática.
Mas há máscaras decorativas cujo uso está ligado à fantasia e assunção de um papel/personagem. Essas máscaras não têm utilidade prática ou laboral. Porém, possuem um certo poder e exercem um fascínio extraordinários sobre quem a usa e quem a vê. O mascarado pode se tornar outra pessoa (pode até ficar irreconhecível para aqueles que o conhecem bem) e fazer coisas que jamais faria em seu cotidiano normal. Paradoxalmente, ao esconder quem aparentamos ser, a máscara permite que nos manifestemos como realmente somos.
Ao observar os carnavalescos fantasiados, por exemplo, vemos que suas atitudes não são as corriqueiras de seu dia a dia. Eles agem como personagens fictícios, super-heróis, personagens folclóricos, de desenhos animados e de filmes. Ou sejam, assumem, como atores, algo que não são. Ou melhor, assumem algo que não aparentam ser. O homem sério e trabalhador dos dias letivos se torna um rufião, um palhaço, um sátiro, um malandro, um beberrão.
Mas todos sabemos que o Carnaval, como qualquer outra festa à fantasia, é um evento de libertação dos bons costumes repressores da sociedade e da cultura. Nele, pessoas sóbrias enchem a cara, pessoas bem-casadas pulam a cerca, pessoas castas liberam geral e homens com H maiúsculo soltam a franga. Em muitas sociedades tribais, há festas rituais semelhantes em que, temporariamente, os tabus de incesto e as interdições alimentares são quebrados. Em muitas (senão todas) as culturas há ritos em que as máscaras aparecem como forma de proteger a identidade pública da vergonha de quebrar as regras sociais.
O Halloween, no mundo anglo-saxão, traz essa mesma ideia de forma mais amenizada. Mas é fácil perceber que a brincadeira do trick or treat (“gostosuras ou travessuras”) é um meio de as crianças realizarem desejos reprimidos, especialmente aqueles relacionados à alimentação e ao comportamento perante os adultos. A maioria das fantasias é de monstros e personagens relacionados a histórias de terror, que ao mesmo tempo escondem os meninos e menias travessos e revelam sua “perversidade” inconsciente.
A máscara serve para esconder o indivíduo atrás de um personagem, mas não pode ser à toa que uma pessoa, ao interpretar sua fantasia, faça determinadas coisas que não faz em estado normal. Ela o faz porque há um desejo reprimido de fazê-las. Todos estamos sujeitos a uma disciplina cultural que restringe nosso livre-arbítrio e, se nos angustia por tolher nossos instintos, permite que vivamos em sociedade sem matar uns aos outros. A história de O Máskara (The Mask), na qual Stanley Ipkiss se torna um anti-super-herói ao vestir a máscara de Loki, deus trapaceiro da mitologia escandinava, é uma alegoria da sensação de poder ilimitado concedido pela fantasia.
A aparente loucura promovida pela máscara, acompanhada da supressão de uma identidade mais aceita, aparece de maneira excelente no supervilão Coringa. Em sua história, um acidente fez com que assumisse permanentemente uma tez branca como giz, lábios vermelhos como sangue e cabelos verdes, uma máscara permanente, numa transformação que foi acompanhada do esquecimento ou morte de quem ela era anteriormente e do surgimento de um ser caótico e irrefreável.
A máscara não é só um escape dos impulsos reprimidos, mas um instrumento para o indivíduo mostrar facetas que normalmente não deixa explícitas. Porém, mais do que nos forçar a agir de determinada forma estereotipada, o indumentária modifica as expectativas dos outros em relação a nós. Nas vezes em que usei roupa toda branca, chamaram-me de pai-de-santo e de marinheiro. O uso de terno causa uma reação quase mágica de respeito e temor.
Falo da máscara também metonimicamente, pois um chapéu, um paramento, uma peça de roupa ou um adorno servem para provocar a ilusão de que seu usuário é alguma coisa mais do que sua identidade estabelecida. O episódio Bugs’ Bonnets, com Pernalonga e Ortelino, traz esse tema de forma bem-humorada.
É interessante nos reportarmos ao sentido original da palavra pessoa, que vem do latim persona, literalmente “máscara”, da qual deriva personagem. A pessoa é o papel com o qual se apresenta e não aquilo que ela “realmente” é, uma forma de ordenar o caos individual nas interações sociais. Nosso ego cotidiano é um personagem, que muda sutil ou profundamente de acordo com as instâncias nas quais convivemos, a família nuclear, a família estendida, os amigos, o trabalho, os desconhecidos, nas festas ou em cerimônias solenes.
Muitas vezes a máscara tem o papel de proteger a identidade de um contraventor ou fora-da-lei, como quando bandidos dos faroestes usam lenços para cobrir a parte inferior do rosto e os assaltantes escondem os rostos com meias-calças. Os intergantes da Ku Klux Klan, não podendo defender abertamente seus ideais ultraconservadores, fazem suas cerimônias vestindo longos capuzes brancos. Essas máscaras, devido ao uso a que se destinam, se investem de um aspecto temível; as intenções de quem as veste se tornam indecifráveis por trás do rosto artificial e sem expressão, suas ações são imprevisíveis e emanam o medo do desconhecido. É o efeito que a máscara dos vilões, como a de Darth Vader, provoca em seus inimigos e subordinados.
Por outro lado, é também a máscara que protege a identidade de alguns super-heróis, alguns dos quais atuam fora da lei instituída, às vezes até confrontando abertamente os detentores legais da força, a polícia. Os justiceiros, sejam nobres ou torpes seus motivos, agem na surdina e ocultos nas sombras, para proteger sua identidade cotidiana e as pessoas de seu convívio próximo.
Os anti-heróis revolucionários da ficção, como V (V de Vingaçna), usam uma máscara para despersonalizar seus atos, dando a estes um caráter social e não individual. Nessa história, a poder da máscara é tão grande que uma multidão se une à sua causa e, vestindo máscaras iguais à de V (inspirada no rosto do revolucionário Guy Fawkes), tiram deste a responsabilidade pela revolução, mostrando que a força revolucionária não parte da vontade de um indivíduo específico.
Daí surge a inspiração para os atos de protesto virtual em âmbito internacional, perpetrados por um grupo convenientemente chamado de Anonymous, que tem como um de seus símbolos a máscara de Guy Fawkes. Ao mesmo tempo em que o indivíduo se desresponsabiliza dos atos ilegais, protegendo-se, a causa toma proporções grupais, sociais, internacionais, sendo muito mais um reflexo das mudanças universais por que passa a humanidade na Terra do que o capricho de um mero mascarado revoltado.
Imagens
- Fotografia de Man Ray
- Foto de Don Scarborough – Wikimedia Commons
- O Máskara (The Mask, 1994), de Chuck Russell
- Quadrinho de A Piada Mortal – história de Alan Moore e desenho de Brian Bolland
- Foto de cerimônia da Ku Klux Klan – Wikimedia Commons
- Cena do filme Guerra nas Estrelas – Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977), de George Lucas
- Cena do filme V de Vingança (2005), de Jams McTeigue